Camila
– Eu vou, eu vou, sentar agora eu vou... senta, senta, senta, sen...
– Gavin Cabello, se você não parar de cantar essa música agora eu vou colocar você no latão da esquina pro lixeiro levar – berrei, pela décima vez, enquanto acabava de limpar a cozinha do almoço.
– Que saaacooo! – reclamou Gavin, antes de sair para o quarto pisando duro.
– Por falar em lixo, quando é que aquele tal de Chão vai passar por aqui? – perguntou meu pai, sentado à mesa da cozinha.
Por que todo mundo hoje acordou disposto a me tirar do sério?
– O nome é SHAWN, papai. Deixe de ser desagradável, sim? Ele vem para cá quando acordar.
Meu pai fez uma pose elaborada, olhando para o pulso com atenção, apesar de nem mesmo usar relógio.
– Já são meio-dia e quarenta e oito. Que tipo de indolente é esse traste?
Joguei o pano de prato do balcão, me virei e olhei para meu pai com raiva.
– Ele trabalha no turno da noite, papai. Já conversamos sobre isso várias vezes. Mais um comentário a esse respeito e vou publicar no seu Facebook a frase "Eu curto um pênis longo".
Fui até o freezer para completar minha lista de compras, que mantinha grudada nele, e tentei não olhar para o relógio. Eu me sentia bastante ansiosa para ver Shawn.
Estava atolada até o pescoço com coisas pendentes para o dia da inauguração da loja. Shawn andava fazendo muitas horas extras, e não tínhamos mais nos visto desde a noite do jantar, já fazia uma semana. Conversávamos todos os dias pelo telefone, e ele também ligou algumas vezes só para falar com Gavin, o que fez meu coração derreter de emoção.
As lembranças do tempo que eu e Shawn passamos no depósito fizeram com que eu ganhasse créditos extras nos deveres de casa que Liz me passava, e fiz novas explorações na mala mágica, com produtos do tipo "quem precisa de homem". Liz ficou emocionadíssima ao telefone quando eu lhe contei tudo. Foi um momento inesquecível para nós duas.
Eu ia trabalhar no bar naquela noite e Shawn ficou de me dar uma carona até lá. Liguei para Liz e pedi que ela e Jim passassem no Fosters mais tarde, para fazer um pouco de companhia a Shawn.
– Acho que vou me esconder atrás do sofá e pular bem na hora em que ele chegar aqui. O sujeito vai conhecer a ira de Cabello – sugeriu meu pai, com um aceno da cabeça.
– Não tem graça nenhuma, papai.
Esse era o estranho jeito de meu pai se referir a Shawn, desde que o conhecera. Reconheço que não era lá muito amistoso, mas já representava um progresso. Pelo menos reconhecia a existência de Shawn e não se resumia a novas formas de matá-lo. Papai estava listando, desde o início da manhã, todos os tipos de assassinato por ordem alfabética, a partir do "A", e finalmente tinha chegado ao "E".
Morte por "enforcamento no candelabro", caso vocês estejam curiosos.
A campainha tocou e eu corri para atender. Enxuguei as mãos nas coxas da calça jeans, ajeitei um pouco o cabelo, puxei a ponta da blusa para baixo e ergui os dois passistas da comissão de frente para deixar o material belamente exposto.
Dei um passo atrás, respirei fundo e abri a porta de uma vez só. Meu coração falhou uma batida ao ver Shawn parado ali.
– Você sabe que há vidros dos dois lados da porta, não sabe? E as cortinas são transparentes? – perguntou, com um sorriso malicioso.