Era sexta à noite e matávamos o tempo como sempre: numa festa da faculdade com um bando de adolescentes bêbados e garotas da irmandade das aberrações da natureza. Juro que eu não entendo como é que Liz conseguia me arrastar para esses lugares semana após semana. Aquele povo não tinha nada a ver com a gente. Nossos amigos de verdade estavam nos dormitórios ouvindo "The Dark Side of the Moon" do PinkFloyd e assistindo ao Mágico de Oz enquanto discutiam se a última temporada de Dawson's Creek tinha ou não atingido o fundo do poço. (Pacey e Joey forever!) Nós não pertencíamos ao bando de filhinhos de papais ricos que achavam que financiamento universitário tinha algo a ver com comunismo. Quando íamos na direção de um bar portátil num canto da sala, deu para ouvir duas vadias totalmente sem noção discutindo sobre quem tinha pago mais caro por uma bolsa Coach e quem tinha transado com mais colegas na semana anterior. Uma delas se disse envergonhada por ter levado a amiga à festa, já que ela apareceu calçando um Louboutin velhíssimo, da coleção retrasada. Esses são os futuros líderes da nossa nação, senhoras e senhores.
Juro que eu me senti assistindo a uma cena de Atração mortal* ("Trouxe você a uma festa com a elite dos alunos e o pagamento que recebo está no carpete do corredor? Você me retribuiu o favor com vômito?"). Felizmente, Liz me impediu no instante exato em que ia entregar a uma delas um copo cheio de Diabo Verde com vodca.
– Uau, olha só para aquele carinha! É bonitinho e tem dentes ótimos – anunciou Liz, empolgadíssima, apontando com a cabeça para um estudante de suéter que se servia de um chopp.
– Caraca, Liz, ele não é um cavalo – gemi, girando os olhos para o teto e tomando um gole de chopp quente.
– Mas dá pra cavalgar o carinha a noite toda se usar a tática certa – afirmou ela, me cutucando com o ombro e exibindo um assustador sorriso de vendedor de carro usado.
– Estou começando a ficar encucada, sabia, Liz? Acho que você anda preocupada demais com o meu hímen. Tá com tesão enrustido por mim, não tá?
– Não fica se achando tanto assim! – replicou com ar distraído, enquanto analisava os outros garotos da festa. – Se bem que, agora que mencionou, quase colei velcro no ensino médio, durante uma daquelas festas loucas de sexta-feira na casa do Tom Corry, mas não passamos das preliminares. Alguém bateu na porta do banheiro em que eu e a outra garota estávamos, e subitamente me ocorreu que eu gostava mesmo é de pica – refletiu ela, pensativa.
Olhei Liz de perfil, como se ela tivesse duas cabeças... A segunda me fez lembrar uma mão numa vagina. Sério que eu tinha acabado de descobrir que minha melhor amiga teve uma fase lésbica? Agora, pronto! Toda vez que eu olhasse para ela ia enxergar sua mão alisando uma periquita. Uma mão pequena como um fantasminha, me seguindo pela casa e me observando durante o sono.
"Mãozinha na periquita" está observando tudo. "Mãozinha na periquita" enxerga você até no escuro.
Liz olhou por cima do meu ombro, inclinou-se um pouco e anunciou:
– Dois alvos móveis olhando para nós na direção das seis horas.
Girei os olhos novamente, diante da tentativa ridícula de Liz para parecer discreta.
– Aposto cinquentinha como ganharemos bebidas grátis se usarmos a tática certa – disse ela, em tom de conspiração.
– Liz, estamos rodeadas por barris de chopp e recebemos um copo de plástico na entrada. Tenho quase certeza de que isso significa bebida grátis. – Balancei meu copinho vermelho diante dela, como lembrete.
– Ah, cala a boca, você está estragando o momento. Garanto que se estivéssemos num bar, aqueles carinhas pagariam drinques para nós.
– Só se fôssemos maiores de idade.