Capítulo 13

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Vila Magnólia, São Paulo — 04.11.1989

Querido Bernardo,

A amizade é uma coisa engraçada.

Nós só passamos a reconhecê-la quando alguém nos oferece a mão de que precisamos. Ou quando passamos a dividir caixinhas de suco vazias numa noite gelada. Porque amigos verdadeiros são como luzes que não se apagam, brilhando como faróis em dias de escuridão. Como lanternas numa penumbra qualquer. São aqueles que dizem que tudo vai ficar bem, mesmo que ambos saibam ser mentira. São irmãos, são parceiros, são cúmplices.

Um verdadeiro amigo é como Miguel, que me acolheu num abraço apertado enquanto eu chorava no banheiro da escola, sentindo raiva de um mundo que pode ser tão cruel com garotos sujos de graxa.

Uma palavra relativamente pequena para um sentimento tão vasto, tão completo. Amizade é o que aqueles adolescentes incríveis fizeram ao me abrigar no clube de teatro perdido num bairro simplório a algumas ruas da estação. É o modo como dividem comigo suas risadas, ou perguntam o motivo por trás das minhas lágrimas. É o ato de comemorar o meu aniversário de dezesseis anos com um bolo ruim, mas que aqueles idiotas se esforçaram para fazer.

Amizade é consolo. É mais do que dar ou receber.

Amizade é compartilhar.

『▪▪▪』

Rastros de luz dançam em meus dedos, vindos da janela num sopro ameno de primavera. Eu os agito em movimentos lentos, delicados e suaves, seguindo uma música que só existe na minha cabeça. Mal consigo me lembrar dos acordes de Everybody Wants To Rule The World. Os pensamentos rastejam e me aprisionam de novo, e eu tento alcançar a mão de alguém que já desapareceu. Alguém que tem a pele escorregadia como uma correnteza.

Miguel é água escapando por entre meus dedos.

Talvez fosse só um sonho, digo a mim mesmo, deitado na escuridão do meu quarto. Eu não vou a escola essa manhã, sequer desço para tomar café. Somos só eu, a penumbra e meus dedos se movendo contra as luzes das persianas. Na próxima vez, eu o alcançarei. Definitivamente preciso alcançá-lo.

Folhas amassadas de cartas que escrevi, endereçadas a um garoto chamado Bernardo Cavalcante, repousam nas cobertas sobre as minhas pernas. Como de costume, é ali onde desconto meus pensamentos mais confusos e frustrados. Onde eu encontro conforto em conversar com alguém que não pode ouvir. Penso em entregá-las um dia. Todas aquelas cartas com o nome da pessoa por quem eu me apaixono a cada dia... É um pouco injusto que Bernardo não possa lê-las. Eu me pergunto o que ele diria se pudesse responder cada uma delas.

A porta se abre com um solavanco e um rangido. Meu pai entra cantarolando uma dessas canções românticas de que minha mãe tanto gosta, preenchendo meu quarto com alguma claridade.

— Vejo que você não foi para a escola — ele diz, e não há muito que responder. Aquilo não é de fato uma pergunta.

— Na verdade, eu estou lá. Em espírito. Meu corpo ficou com preguiça demais para levantar daqui.

— Quer conversar sobre isso?

— Sobre a aula que meu espírito está tendo? — respondo, soltando cada palavra carregada de um sarcasmo visível. Minha capacidade de ser um idiota, mesmo nos piores momentos, surpreende até a mim mesmo. — Ou sobre o fato do meu corpo ter se recusado a sair da cama?

Ele gira as chaves do carro entre os dedos e se afasta, fechando a porta, sua voz soando abafada do outro lado.

— Se quiser dar um passeio, traga seu traseiro e o seu corpo lá para fora.

Querido BernardoOnde histórias criam vida. Descubra agora