Capítulo 11

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Vila Magnólia, São Paulo — 02.11.1989

Querido Bernardo,

Hoje quero falar das suas manias. Do modo como você abaixa a cabeça e coça o nariz quando está envergonhado, como se isso pudesse de certa forma, distrair as pessoas ao seu redor. Seus pés quase se arrastam quando você está tímido e seus tênis novos, de repente, lhe parecem muito interessantes. Você tem a mania de cobrir a boca quando teme estar sorrindo demais ou até mesmo de brincar com a barra da camiseta de um jeito distraído que eu acho uma graça.

Hoje quero falar dos seus sorrisos de coração, e de como seu cabelo irritantemente acaba se espalhando pela sua testa, mesmo com seu gel com cheiro de hortelã. De como sua respiração baixinha me acalmou naquela noite, quando dormimos juntos e você fez minha camiseta, de pijama. Ela é a minha favorita agora, caso queira saber. Quero falar sobre como a minha vontade de beijá-lo tem aumentado nesses últimos dias. Às vezes, me pego imaginando como seria sentir seus lábios cheinhos nos meus. Uma, duas, três, várias vezes. Beijá-lo a ponto de deixá-lo irritado e desferir um soco fraco no meu peito, como eu imagino que faria.

Hoje quero falar de como o meu mundo, já não tão solitário quanto antes, ficou ainda mais vivo depois de conhecê-lo. Depois de conversar com um certo baixinho viciado em romances policiais na estação de trem. Depois de dormir naquele abraço; naquela bagunça de braços, pernas e respirações baixinhas. Depois de quase afastá-lo, de quase perdê-lo. E de encontrá-lo novamente. De me encontrar.

Porque, por mais estranho que pareça, eu me sinto aprisionado agora. E gosto disso.

Eu, que sempre fui tão livre, de alguma maneira me prendi a você.

『▪▪▪』

O sol tenta se esconder atrás das nuvens, do mesmo modo que minha segurança se arrasta e foge, tentando evitar que alguma coisa em mim se quebre. No entanto, não há nada que possa estourar, nada que possa ser rompido. Porque todas aquelas incertezas sempre estiveram lá, em algum lugar. Sempre houve uma parte de mim que desconfiou das mentiras, que desconfiou da traição.

"Por que você acha que isso aconteceu?"

A voz de Bernardo parece um eco na minha cabeça, e todas as perguntas chegam quase ao mesmo tempo. Estamos a caminho da biblioteca municipal, lado a lado. É difícil não pensar em todos os gritos, nas agressões tão frequentes e no motivo que poderia ter causado tudo aquilo. É sufocante quando começo a perceber como as peças finalmente se encaixam.

"Como isso começou?"

Penso na resposta mais óbvia, mesmo que não tenha coragem de dizê-la em voz alta. Pouco depois que Theo nasceu, é o que digo a mim mesmo. Naquela noite gelada, em que o garotinho foi entregue à nossa porta e deixado aos nossos cuidados. Quando ele dormiu debaixo do meu cobertor pela primeira vez, fugindo de todos os seus monstros e sentindo-se protegido no meu abraço quentinho. A resposta sempre esteve lá, no rosto infantil daquela criança sorridente. Na ausência do meu pai; na indiferença da minha mãe.

"Ele é muito parecido com você, Caio. Assustadoramente parecido com você."

E, estranhamente, junto com os sentimentos amargos, uma pequena faísca de alegria dança em meu peito. Apesar de todas as mentiras e todo disfarce de família feliz, eu sempre soube que o casamento dos meus pais havia acabado há muito tempo. Sempre soube, no fundo, que Theo era meu irmão mais novo.

Começo a me sentir mais relaxado quando Bernardo acaricia minhas costas, o toque automaticamente quebrando a muralha que construí em nossa caminhada até a avenida movimentada. Nós interrompemos nossos passos, os tênis provocando um ruído áspero contra o asfalto, e o garoto acaba se apoiando em mim. Ele encosta sua cabeça em meu ombro, de leve, quase como se quisesse se esconder em meus braços.

Querido BernardoOnde histórias criam vida. Descubra agora