Capítulo 18

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Vila Magnólia, São Paulo — 10.11.1989

Querido Bernardo,

O futuro é uma cilada. Você não pode escapar dele. Como um filme de suspense, quando você menos espera, ele o segura pela mão e o força a caminhar, mesmo que você ainda não saiba para onde deseja ir. É assim que o futuro é. Impetuoso, ansioso. Ele não espera que você decida ser um médico, um dançarino, um escritor ou o que quer que seja, e apenas o empurra na direção que lhe parece mais favorável. Ou que os outros achem mais favorável.

Silencioso e astuto como um felino, ele está sempre lá, à espreita. Esperando que você tome decisões com as quais não concorda, seja obrigado a frequentar aulas de um curso que não gosta ou descubra que, na verdade, você não se encaixa no padrão que as pessoas consideram ideal. Ou que está tão perdido que não sabe sequer quem é você mesmo.

Mas o futuro também é misericordioso. Ele permite que você refaça seus passos e decida por si mesmo. Porque, mesmo com todos os tropeços, você pode se levantar e começar de novo. Fazer uma nova escolha. Tomar um caminho diferente. Modificar o destino.

O universo é impaciente, Bernardo. Você não deveria viver se privando das coisas que quer fazer.

Por isso, mesmo que seja a última vez, ligue aquele toca-fitas empoeirado que você mantém guardado na gaveta, coloque sua música favorita para tocar. Imagine alguém especial enquanto faz seus dedos dançarem ao ritmo da melodia sobre as próprias pernas. Feche os olhos. Pense em mim. Escreva um romance, ou um suspense. Escreva sobre nós. Faça um desenho, mesmo que você seja péssimo nisso, porque é a experiência que importa. Dance na chuva, ou no quarto em frente ao espelho... Dance comigo. Sem ninguém para interromper seus pés pisando acidentalmente nos meus.

Componha poemas, letras de canções ou frases soltas. Veja o sol se pôr num sábado à tarde. Saia para correr de manhã cedo, ouvindo como os passarinhos cantam no alvorecer. Viaje pelo mundo. Compre um presente para o seu melhor amigo. Abrace os seus pais. Descubra quem você é. Diga "Eu te amo" pela primeira vez.

Faça tudo que você quiser fazer hoje, Bernardo. Porque o futuro é agora.

E ele não espera por ninguém.

『▪▪▪』

Há coisas que só melhores amigos podem fazer por você. Assaltar um supermercado para roubar gibis de Watchmen, por exemplo. Invadir o clube de teatro no meio da madrugada, resgatar um amigo precioso ou se infiltrar na casa de um desconhecido para uma investigação criminal. Seja o que for, são coisas que só uma amizade verdadeira seria capaz de sustentar.

Quando estamos cara a cara com a porta de madeira, Carlos ergue a sua alavanca com uma expressão de um arrombador de fechaduras profissional — a testa franzida, a boca num biquinho concentrado e os olhos atentos a cada movimento. Depois de ajeitar o boné vermelho e branco na cabeça, Carlitos dobra os joelhos e se agacha em frente ao seu alvo, com seu ajudante Ben auxiliando-o a encontrar as ferramentas certas na pequena caixa cinza de plástico.

Felipe apaga o cigarro na caixinha do correio e o joga no gramado, sendo severamente punido por Hannah com tapas na sua jaqueta e petelecos na testa, porque, segundo sua experiência assistindo a filmes de mistério, "não podemos deixar pistas, panacas."

— Sem deixar rastros — Bernardo concorda, e então o chinês finalmente recolhe os vestígios que deixou para trás.

A porta abre com um rangido alto, quase como se fizesse de propósito. Ben e Carlos comemoram baixinho, mesmo que o ruído das dobradiças velhas e enferrujadas já tivesse feito o trabalho de nos denunciar para toda a vizinhança.

Querido BernardoOnde histórias criam vida. Descubra agora