Vila Magnólia, São Paulo — 14.11.1989
Querido Bernardo,
Espero que você esteja bem.
Não tenho notícias suas há alguns dias, e isso me preocupa.
Quando nos despedimos naquela noite, tive a sensação de que eu deveria ficar um pouco mais com você. Senti que eu deveria segurar a sua mão, mas simplesmente não pude. Não depois daquilo. E você me olhou como se quisesse se despedir, ali no escuro, nos últimos assentos do vagão do trem. Mas você sequer me tocou. Seus olhos estavam fixos em suas próprias coxas e nas calças sujas de terra — e também respingada de sangue —, então você provavelmente não viu quando me levantei e sorri para você.
Era um sorriso sem vida, mas sincero. Eu sorri para você, Bernardo. Mesmo depois de tudo, eu ainda estava sorrindo para você.
Porque, independente do que aconteça, eu quero ser aquele que estará lá para confortá-lo. Sempre. E o mundo talvez seja injusto de vez em quando, mas você e eu sabemos que ele também pode ser um lugar incrível.
Seja como for, no inferno ou no paraíso, eu quero estar com você.
Eu não vou desistir. Eu não vou me render.
Se eu pudesse, criaria um mundo perfeito para nós dois, onde pudéssemos viver em paz. Enquanto isso não acontece, você deveria pensar em ligar para mim. É sério. Me liga. Eu preciso saber como você está.
Nós vamos ficar bem, certo?
『▪▪▪』
Não é todo dia que você acorda com Bee Gees tocando no rádio da cozinha. Mesmo com uma dor de cabeça terrível e a mandíbula ainda inchada, despertar ao som de Stayin' Alive e ser agraciado com uma bandeja de café da manhã na cama é algo que não acontece com frequência. Esse é provavelmente um privilégio que você só ganha quando apanha.
Minha mãe entra no quarto com um avental rosa shock de bolinhas brancas cantarolando "Ah, ah, ah, ah", porque essa é a única parte do refrão que ela sabe. Com a porta agora aberta, posso ouvir a música com mais clareza, vinda de algum lugar a três cômodos de distância. É um pouco reconfortante.
Ela puxa meu cabelo para trás e coloca a mão na minha testa, checando a temperatura. Quando ela faz uma careta, sei que ir para Jardim Cassis e andar debaixo de chuva não foi uma boa combinação.
— E ainda por cima está com febre — ela diz, como se já tivesse ensaiado um monólogo repleto de reclamações em sua própria cabeça a manhã toda. Ela suspira, sentando-se na ponta da cama. — O que fizeram com o meu bebê...
E eu desejo que ela não diga esse tipo de coisa, porque isso parece transformar a minha situação em algo mil vezes pior. Quando ela age como se eu fosse indefeso e digno de pena, começo a realmente acreditar nisso também, e tenho vontade de chorar outra vez. Como chorei nos braços dela no primeiro dia.
— Você é uma mulher incrível — eu solto baixinho, envolvendo seu corpo magro em um abraço, sentindo-a baixar a guarda e esquecer todos os problemas, mesmo que momentaneamente.
Ela ri, de repente lisonjeada pelo que acabei de dizer.
— Coma o seu café da manhã.
— Certo. Eu vou comer.
— E não esqueça de escovar os dentes.
— Eu não seria seu filho se esquecesse.
Minha mãe me dá um tapinha no braço e se levanta, o avental agora ficando torto no corpo esguio.
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Querido Bernardo
RomanceSão poucas as pessoas que tiveram a oportunidade de vivenciar um grande amor, e menos ainda as que tiveram a chance de compartilhá-lo. Nas cartas amareladas e em sua máquina de escrever, Caio conta sobre o herói, e também sobre o clube de teatro. Co...