Capítulo 22

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Vila Magnólia, São Paulo — 16.11.1989

Querido Bernardo,

Meu pai costumava dizer que a vida é como uma escada. Não sabemos o que nos espera no último degrau, mas nós continuamos subindo mesmo assim.

Serão muitas as vezes em que teremos que descer alguns degraus ou simplesmente ver as pessoas caindo diante de nós. O que realmente importa é que devemos continuar a subir, mesmo que as pessoas que amamos não possam mais nos acompanhar nessa escalada.

Podemos nos sentar no meio do caminho, porque é importante fazer uma pausa para respirar às vezes. Mas nunca desistir. Se simplesmente nos acomodamos na metade desse trajeto, jamais poderemos alcançar o final.

Por isso, continue subindo...

A vida é uma escada, Bernardo.

E talvez eu nunca saiba o que me espera no último degrau, mas eu estou disposto a seguir em frente todos os dias. Um passo de cada vez.

『▪▪▪』

Duas semanas depois, a casa dos Gomes gradativamente deixa de ser silenciosa, taciturna. Há algo de especial naquela manhã em que saio de casa e vejo Theo brincando com a mãe no jardim. Mesmo conhecendo aquela criança há anos, acho que nunca o vi correr daquele jeito. Tão feliz, tão livre. Ele ergue o Homem-Aranha de plástico e cruza o gramado, acenando para mim com a mão livre. E eu aceno de volta.

Está tudo barulhento demais. Do jeito que uma vizinhança deveria ser.

Aquele bairro, sempre tão pacato, parece muito mais aconchegante depois que o pai de Sérgio foi preso. A Sra. Gomes ainda tem uma cicatriz que atravessa a testa e se perde nos cabelos escuros, mas acho que ela já não se incomoda em tentar escondê-la. Não me lembro de muita coisa sobre aquele dia, exceto pelo fato de que fora minha mãe quem acionara a polícia.

De todas as pessoas, ela é a última de quem eu esperaria essa atitude.

— Bom dia, Caio — diz a mulher agachada no quintal.

Ela está radiante. Uma de suas mãos está ocupada fazendo cócegas na barriga do filho enquanto a outra o envolve em um meio abraço. Tenho quase certeza de que eu nunca vi essa mulher sorrir tanto. Não desse jeito. Seus gestos sempre foram contidos e temerosos, como se ela não tivesse permissão de demonstrar qualquer coisa. Mas não hoje.

Essa manhã, quando ela inclina a cabeça na minha direção e curva os lábios em um sorriso, parece uma pessoa completamente diferente. É impossível não sorrir em resposta.

— Bom dia, Sra. Gomes — eu cumprimento, acenando rapidamente.

Seu olhar desce para os meus pés, provavelmente esperando ver os All Star de Sérgio que foram meus fiéis companheiros durante os últimos meses, mas, pela primeira vez em muito tempo, eles não estão ali.

Na verdade, hoje é o dia em que pretendo me despedir deles.

Caminho até a estação com nada além de uma mochila, alguns trocados nos bolsos da calça e muito otimismo. Esse é um daqueles dias ensolarados com muitas nuvens. Os raios de luz amarelados que atravessam as partículas enevoadas parecem desaparecer em lugar nenhum, mesclando-se ao céu azul.

Encontro Bernardo a caminho do nosso lugar secreto. Ele está parado sobre os trilhos abandonados do trem, o gramado alto e pálido que cresce entre o aço laminado enferrujado fazendo cócegas em sua calça jeans. Aquele é apenas mais um dos nossos encontros furtivos dessas últimas semanas. Depois dos ensaios no clube, ir até o vagão abandonado e andar como idiotas na ferrovia desativada se tornou a nossa nova tradição.

Querido BernardoOnde histórias criam vida. Descubra agora