Capítulo 12

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Vila Magnólia, São Paulo — 03.11.1989

Querido Bernardo,

Ontem eu abracei minha mãe.

Quando cheguei em casa, ela estava encolhida no sofá, trabalhando com afinco em um cachecol azul-marinho, tecendo os fios com as mãos calejadas. Foi instintivo me sentar ali, abraçando-a de um jeito meio desajeitado, deitando a cabeça em seu ombro e ouvindo-a perguntar se alguma coisa havia acontecido.

"Dói muito?", foi o que perguntei. E ela sabia. Pelo modo como ela começou a chorar, com soluços contidos e o peito chacoalhando contra o meu, ficava claro o quanto ela havia sofrido. O quanto a traição a acompanhara durante todos esses anos. No entanto, aquela mulher de cabelos já grisalhos na raiz, ostentando o sorriso mais triste que eu já vi, fez um esforço incrível para me olhar nos olhos e dizer que estava tudo bem. "Está tudo bem agora, Caio".

E, embora pareça estranho, eu não odeio o meu pai por ter feito o que fez. Eu não o odeio, Bernardo. Talvez, porque parte de mim saiba que o amor nem sempre acontece com pessoas solteiras, e que nem todo casamento é constituído por duas pessoas que se amam. É triste para a minha mãe ver que o garotinho da casa vizinha sempre estará lá para assombrá-la, para lembrá-la da traição. Para lembrá-la de como seu casamento chegou ao fim. É triste para o meu pai observar Theo correr para lá e para cá e, mesmo assim, não poder chamá-lo de filho. E também lembrá-lo da culpa. É triste para todos nós ver como o marido da Sra. Gomes a trata, dia após dia, e não poder fazer nada.

Sinto que não há muito que eu possa fazer, Bernardo. E isso está me matando. Eu queria poder fazer mais por todos eles. Eu gostaria de poder consertar todos os erros. Mas eu me sinto tão pequeno... Eu sou só um garoto.

O que garotos podem fazer?

『▪▪▪』

Fujo da escola outra vez. Não para escapar dos problemas, mas para ir atrás deles.

Essa manhã, numa conversa quase amigável com Regina, a garota dos lábios carregados de batom vermelho e hálito de nicotina, acabo por descobrir quem era a suposta namorada de Sérgio Gomes. A garota insiste que não é fofoqueira, e sim uma informante. Mas é em sussurros que ela me conta como Júlia Dias, uma jovem de sorriso fácil do segundo ano, ganhou o apelido de Irene — graças a sua paixão pelo filme Flashdance e sua obsessão pela música What a Feeling, de Irene Cara.

Há um "S & I" rabiscado atrás da fotografia polaroid que encontrei no quarto de Sérgio. Não preciso de muito para que a minha nova informante me conte mais sobre ela. Bastam alguns minutos de uma conversa franca e os trocados reservados para o meu lanche. E, assim, até acabo conquistando confiança o suficiente para que ela me dê um número de telefone. Essa é a primeira vez que Regina me chama pelo nome.

— Foi um prazer fazer negócios com você, Caio.

E ela sopra a fumaça do cigarro como quem deixa um sopro de vida para trás, dando-me as costas enquanto eu ouço o tilintar das moedas que eu acabei de perder, dançando nos bolsos de sua jaqueta.

Ligo para a ex-namorada de Sérgio no mesmo dia, com alguns trocados que eu encontrei perdidos no fundo da minha mochila. A garota está em casa, ainda se recuperando de um resfriado, mas concorda em se encontrar comigo. Portanto, pular o muro do colégio nessa manhã gelada nunca me pareceu uma alternativa tão viável.

Agora, eu me sento num banco de madeira na estação, aguardando a chegada do trem. É uma daquelas tardes nubladas indecisas, onde o sol aparece e desaparece por trás das nuvens carregadas, por vezes incomodando a minha vista. Quase não consigo distinguir a figura baixinha quando a grande máquina fumegante estaciona sobre os trilhos, então me levanto e tento cobrir o sol com a mão, só para poder ver aquele garoto bonito andando a passos apressados com a mochila nas costas.

Querido BernardoOnde histórias criam vida. Descubra agora