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Para você, Dani. Obrigada por ter acreditado em mim e me apoiado com essa fanfic. Isso não seria possível sem você ♡
×××××××

Bella

"Vou no mercado. Vai querer alguma coisa?"- minha mãe pergunta. Na verdade, é a minha tutora, mas eu a chamo assim porque ela me criou. Pelo menos isso é o que ela diz. Mais uma vantagem de não se lembrar de nada do passado.

"Ah, sim. Pode comprar yakult? Acabou."- Julie Smith. O mais próximo que eu tenho de uma família.

Ela sorri, abrindo a porta.
"Claro. Se cuida. Eu volto em algumas horas."

A história da minha vida é tão trágica, que nem parece real.
Eu nasci em Veneza, na Itália, no meio de um furacão de problemas que sondavam meus pais, especialmente as dívidas com um grupo mafioso da região.

Meu pai acabou meio que me vendendo para eles, que me consideraram uma boa moeda de troca.

Como eu era só um bebê, não interessava a eles. Então eles deixaram que eu crescesse com a minha família. Mas, com 14 anos, eu deveria cumprir meu dever como membro do grupo.

A medida que eu fui crescendo, meu pai foi se afeiçoando, apesar se tentar se manter frio e distante e, quando eu complei os 14, ele se negou a me entregar.

Uma ameaça aconteceu. Eles fariam qualquer coisa para me ter. Tinham planos para mim. Então eles atacaram nossa casa.

Destruíram o que viram pela frente, inclusive a minha família. Eu e a Julie fomos as únicas que sobrevivemos.

Eu sei de tudo isso porque ela me disse, enquanto tricotava um casaquinho para o filho recém nascido dos nossos vizinhos, alguns meses atrás.

Julie nunca soube o motivo de eu ter perdido a memória, mas me disse que, naquele dia da invasão, eu bati com a cabeça e a lesão foi tão grave que eu fiquei em coma. E um dia acordei, meses depois.

A história parece muito mal contada e eu tenho minhas dúvidas sobre Julie. Apesar de ser gentil e boa comigo, as peças dessa história são de quebra cabeças diferentes. Simplesmente não se encaixam. Mas eu decidi guardar para mim as minhas dúvidas, porque ela sempre reage mal quando eu pergunto muito.

"Vou para o meu quarto, ler um livro."- Subo as escadas lentamente, enquanto ela já estava prestando atenção no filme.

Eu paro, encarando o quarto dos segredos, como eu chamo. Moro nessa casa, com Julie, há 3 anos e ela nunca me deixou entrar lá. Toda vez que eu perguntava sobre o quarto ou pedia para entrar lá, a expressão dela ficava sombria e ela se fechava. Ela é meio arisca comigo, as vezes.

Ontem, era dia de limpeza. Eu e ela nos revezamos e cuidamos do chão, dos móveis e dos banheiros. Eu insisti para cuidar do 1° andar, porque sabia que ela pediria para eu trancar. E eu não trancaria.

E agora, estou sozinha e o quarto está aberto. Prendo o cabelo num coque frouxo e subo as escadas rapidamente.
Agarro a maçaneta da porta e a abro.

O quarto é pequeno, sem janelas. A única iluminação vem das luzinhas de Natal pendurada na parede, junto com várias fotos tiradas em alguma Polaroid.

Algumas antigas, outras menos.
Há uma tv, com um disco cassete. Ainda existe isso? Numa caixa florida há fitas. Cada fita tem um pingo de esmalte velho, mas com a cor visível. Provavelmente cada cor é um momento diferente, para que pudesse rever o que queria sem ter que assistir outras fitas antes.

Pego uma fita com esmalte violeta. É a minha cor preferida, talvez seja sobre mim.
Logo a tv se ilumina e eu me sento no tapete branco felpudo.

"Ta gravando"
O cara tem expressões fortes, como de quem já passou por muita coisa. O sorriso é sincero e doce.

"Nosso diário de lua de mel, dia 7, em Roma. Karen quis passar a nossa tarde num museu. Nem acredito nas coisas que eu faço por amor.

Ela se agarra no pescoço dele, por trás, e manda beijos para a câmera.
"Você é incrível. Eu te amo."

Eles se beijam. A cena muda.

Karen está lendo, deitada numa canga colorida, usando um biquini preto.
"Minha mulher é a mais linda."

Ela sorri e coloca a mão na câmera.

A cena muda.
Ela está chorando de alegria.
"Deixe eu filmar, amor. Me mostre aqui."

Ela entrega o teste de gravidez, positivo.
Está tão feliz que não para de sorrir, os cantos dos olhos com lágrimas.

Eles se beijam.

A cena muda outra vez.
Ela está num quarto de hospital, com um bebê no colo.
"Esse é o nosso menino. O nosso Peter, nasceu hoje. Dia 8 de Agosto de 1998. Seja bem vindo, meu filho. "

Ele filma o bebê, enquanto ela sorria, encantada. Ele beija a testa do filho e deixa que ele agarre seu dedo, com a mãozinha minuscula.

A cena muda.

De novo no quarto de hospital.
Agora, uma menina. Eles parecem tão apaixonados como estavam quando o menino nasceu. E ele aparece na filmagem, ao lado da mãe. Vestia uma blusinha verde de dinossauro e uma calça marrom. Parece fazer frio lá fora.

"Essa é Aaliyah, nossa menina. Está animado, Peter?"

Ele parece confuso, mas sorri para a câmera, assentindo.
"Estou papai."

Karen entrega a bebê para o filho, que a carrega com cuidado.
"Eu te amo, irmãzinha. Vou te proteger para sempre."

A cena muda.
A tela fica preta.
Tiros. Muitos tiros.
Gritaria.

A câmera está em uma mesa. Algo a derruba no chão e ela filma tudo, com uma tristeza profunda, como se ela fosse parte da família depois de ter registrado cada momento e, agora, os vê assim, arrasados.

O ano é 2011.
A câmera foca no homem que filmou tudo. Ele está com a metralhadora na mão. O rosto frio, impassível. Vai proteger a família até o final, custe o que custar.

As balas acabaram. Eu sei pelos ruídos que a arma faz quando ele aperta o gatilho. Ele também sabe, porque parece assustado. Alguém se aproxima dele, porque ele olha constantemente para frente.

"Faça o que quiser comigo, mas não encoste nos meus filhos e na minha esposa. Eles não têm nada a ver com isso."

Um homem alto aparece. Não é filmado seu rosto, pela posição que ele está.
" É uma pena, Mendes. Você tem tudo para ser um homem empreendedor, com seu pequeno negócio e uma vida simples, mas feliz. É uma pena que vá acabar assim."

Tiro.
Eu imagino que o atingiu e o matou na hora.
Não sei. Fechei meus olhos antes. Mesmo tendo visto somente flashes da vida que tiveram, ainda estou sofrendo com a velocidade que tudo desmoronou.

A tela fica escura.
Uma mensagem aparece. É uma gravação. A voz é baixa e sussurrada, o que me causa arrepios de agonia.
"É um recado simples, Sr Rossetti. Ou entrega sua filha ou o mesmo acontecerá com você. Quer mesmo que sua vida murche e acabe como a deste homem? Seja sábio."

A câmera parece falhar.
A bateria está acabando ou não tem mais nada para gravar.
Até mesmo a câmera sabe que gravou uma vida que se interrompeu na sua frente.

Acabou.
Estou chorando.
Quando comecei?
Guardo a fita na caixa e saio do quarto, sem aguentar mais.
Por que eu estou com esse sentimento de que essa fita foi só a ponta do iceberg?

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora