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Shawn

A insônia me pegou de jeito, outra vez.
Desisto de tentar dormir e vou até a salinha. Pela janelinha vejo que está amanhecendo.

Queria ter falado com a Bella antes de ir, mas eu fizesse isso, não daria conta de deixá-la.
"Senhor, mais 5 horas e chegaremos à Toronto."

Will avisa, com a voz ecoando no jatinho grande demais e silencioso demais pra uma só pessoa. Mas sempre foi assim, é que eu fico me lembrando da última vez, com Isabella.

Passo a mão no cabelo, sentindo um cansaço grande. Me sirvo de café e tomo uma caneca, tentando me despertar.

Mando mensagem pra minha mãe, pedindo pra ela cuidar da Bella.
E decido mandar pra Bella também, mas acabo não mandando, sem saber bem o que dizer.

Com ela é assim, meio natural.
Não se pode pensar demais, porque ela é o tipo de pessoa muito instável e natural. Eu penso nela mais do que gostaria, mais do seria confortável.

Acabo adormecendo, ali mesmo, na poltrona.

Abro os olhos.
Meu corpo arde e o gosto de sangue na minha boca me agonia. O cheiro de enxofre me deixa enjoado.

Meus olhos demoram alguns minutos pra se acostumarem à escuridão do lugar. Alguma torneira está aberta, pingando a cada dois segundos. O barulho parece ser gravado pela minha cabeça.

Estou amarrado numa cadeira velha e gasta de madeira. Exploro com os olhos o lugar, solitário e frio demais, escuro e fechado.

Não ventila e não há janelas, a claustrofobia ameaça me tomar, então eu tento concentrar na minha respiração.

"A princesa acordou."
Me viro para a voz, mesmo já sabendo quem é o dono dela.

Sebástian Yatra parece quase entediado ali, me observando. Meus dentes rangem, fazendo um barulho horrível. Meus pulsos se cerram.
O sangue parece ferver nas minhas veias.

"Por que estou aqui?"

Ele se levanta e suspira, impaciente.
"Porque eu quero que esteja. Temos que conversar, Mendes. Você tem algo que eu quero."

"Imagino o que seja."
Ele se aproxima e agacha na minha frente, praticamente ficando da minha altura.
"E eu não costumo desistir do que quero, Mendes."

Cuspo no chão, um gesto que se tornou hábito. Meu pai fazia com frequência.
"Não vai tê-la, você sabe."

Ele dá uma risada, com um tom carregado de veneno e irritação. Talvez um pouco de arrogância também.
"Ela já está nas minhas mãos, Mendes."

Ele faz aceno com as mãos, e a porta é aberta.
Um homem alto e forte segura com força os braços de uma pessoa que está amarrada. A cabeça é coberta por um saco preto. Tropeça nos próprios pés.

Ele joga a pessoa pra frente, que arfa e se desequibilibra. Yatra pega a pessoa antes que caia no chão.

Yatra sorri de maneira sombria mas eu estou com uma sensação ruim demais pra devolver o sorriso irônico. Meu estômago gela intensamente.

Aquele corpo é o dela, eu sei disso antes que o rosto esteja visível. Decorei cada detalhe dela, cada cheiro, cada movimento, cada risada. É Isabella, eu sei.

Mas quando Yatra tira o saco, ainda tinha esperança de estar errado, mas não estou. Bella está quase irreconhecível, machucada e sangrando.

Seu rosto está impassível. Demonstrar dor e sofrimento não é algo que ela queira fazer. Mas eu vejo nos olhos dela o medo, a frustração.

A blusa branca está manchada de sangue. O rosto parece exausto, com marcas de sangue e se sujeira. Olheiras feias tomam seus olhos.

A boca tem um corte mínimo, que já está se cicatrizando e sua perna direita deve estar machucada, porque ela manca.

Me agito na cadeira, o que só piora tudo.
"Não, Yatra, ele não. Por favor. Você prometeu não machucá-lo."

O tom de intimidade e de dor me deixa meio enciumado. Yatra acaricia seu rosto e ela desvia, irritada e agitada.
"Eu sei, amor, mas eu sigo regras. Agora fique quieta ou ele vai sofrer."

Ela engole o ódio e fica quieta. Tento não olhar para ela, pra não alimentar a fúria dentro de mim. Tentaram ferir a minha menina.

"O que você quer?"
Yatra parece quase entediado.

"Te fazer sentir a dor, claro."
Ele pega uma faca holandesa, afiada e quase brilhante, de tão limpa e pressiona contra o pescoço da Bella.
Um filete de sangue escorre da sua pele.

Ela arfa, mas permanece quieta.
Deve estar muito cansada para não reagir. Ela simplesmente aceita, por mim.

"Desculpe, meu amor, mas tenho que fazer."- E ele se vira pra mim, apreciando a minha dor.-" Sinta, Mendes. A dor. Em todo o seu corpo, no seu sangue."

E ele passa a faca por todo o pescoço dela, fazendo jorrar.
Eu solto algo meio rugido meio grito, sentindo a fraqueza tomar conta de mim.

Sangue dela mancha o chão ao redor.
Travo a mandíbula.
"Eu vou acabar com você. Vou fazer você sofrer até o final, voi fazer você implorar pra eu te matar."

Ele deixa o corpo dela no chão, e eu sinto uma dor no peito, de tristeza.
"Como? Você perdeu tudo, Mendes. É inútil. Acabou pra você."

"Senhor?"
Will toca meu ombro. Estou sem fôlego e guardo a agonia na garganta. Ajeito a camisa e levanto.
"Chegamos."
Ele anuncia.

"Obrigado, Will."
Dou algumas instruções pra ele e ele me deixa sozinho. Preciso resgatar Sofia. Eu prometi para a Camila e vou cumprir.

Desço do jatinho e pego um Uber para o meu escritório. Preciso de alguns documentos e fazer alguns acertos antes de voltar para casa.

Alguém grita.
É uma criança.
Minha cabeça doi, de exaustão e de agonia. As memórias do meu pesadelo me atormentam intensamente.

Preciso fazer isso, não tenho mais condições. Preciso ouvir a voz dela. Só por um instante. Mesmo que isso arrisque sua segurança.

Pego o celular e disco para o celular de emergência que eu dei para ela. Era arriscado, até porque eles provavelmente estão caçando Bella e essa ligação vai ser rastreada. Eles vão saber dela.

"Shawn?"
Eu desligo em seguida, com o coração acelerado. Era só disso que eu precisava. Ela está bem. A voz, inclusive, é de sono.

Respiro mais calmo, mas vou arrumar minha bagunça.
Pego o rádio comunicador e ligo para McCann. Eu raramente deixo meu segurança longe de mim, mas eu prefiro que ele ficasse para proteger elas.

"McCann, preciso que você cuide dela. Ela pode estar em grande perigo."

"O que houve, Senhor?"
A voz dele parece alarmada, atenta. McCann é o cara de mais confiança que eu tenho.

"No momento, não tenho certeza, mas preciso de reforços. Fique de olho na Isabella 24 horas por dia, mas seja discreto para que não se preocupem."

"Sim,Senhor. Te manterei informado."

"Obrigado, McCann, é só isso."
Desligo, enquanto o motorista dirige para a minha empresa.

A cidade parece exatamente igual, mas ao mesmo tempo, nunca mais vai ser a mesma.
Porque está sem ela.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora