63

152 13 0
                                    

Notas da autora:
O que estiver em itálico, é uma memória

Bella

Paramos em frente à um prédio escuro.
O frio na barriga não me abandona, mas eu o enfrento. Preciso me livrar disso logo, dessa incerteza.

Desço do carro, e o silêncio da noite me pega por trás, deixando a sensação de estranheza ainda maior.
Me abraço e entro pelas portas de vidro.

"Estava te esperando."

"Lucas? O que faz aqui?"
Ele me olha, sorrindo com delicadeza. A última vez que nos vimos foi na festa. Mas pelo visto, ele sempre esteve presente.

"Vamos, Bella."
Eu o sigo pelos corredores mal iluminados, subimos pelo elevador e vejo ele apertando o 9° andar. Presto atenção nos lugares, para caso precise fugir, mas é muito difícil entender a planta de um edifício, então eu só torço para que tudo fique bem comigo.

"Entre, por favor, e coloque a touca, o avental e tire os sapatos. Logo alguém vira buscar você."
Assinto, enquanto entro na salinha. Obedeço a instruções dele, me sentindo estranha. Talvez seja porque eu estou sozinha, o que não acontece há um tempo.

Uma enfermeira vem me buscar alguns minutos depois, e me leva até a sala de cirurgia.

A sala está gelada a ponto de um arrepio percorrer todo o meu corpo e eu estremecer levemente. Minhas mãos parecem estar congelando.

"Querida, vamos te anestesiar agora, quando eu pedir, preciso que conte até 10, está bem?"
Assinto, enquanto ela coloca um respirador em mim.

"1...2...3...4...5...6..."
Estou sonolenta, a visão começa a embassar e eu adormeço.

Algo está fazendo barulho.
E, alguns segundos depois, uma explosão acontece no corredor.
Abro os olhos, alerta.
Praticamente pulo da cama, me arrependendo na mesma hora.

Minha cabeça arde, mas eu luto para me manter de pé. O que está acontecendo aqui?
Ouço passos apressados pelo corredor e alguém grita. Eu vou para o banheiro.

"Se você precisasse se esconder de alguém em um banheiro, como faria?"
Bufo, irritada. Meu pai começou a me ensinar táticas de sobrevivência em casa, caso um dia eu precise.

"Eu o mataria com as minhas mãos."
Eu rio, me encostando. Meu pai me lança um olhar de repreensão.

"Isabella, por favor, filha, isso é sério."

"Pai, ninguém vai nos separar."
Pego sua mão, buscando seu conforto. Queria que ele sorrisse e apertasse minha mão de volta, concordando.

Mas ele só dá um suspiro triste.
"Bella, o que faria se uma pessoa estivesse armada e tivesse te cercado?
Eu penso, me imagino num banheiro.
A pia.

"Quebraria a torneria. O barulho chamaria atenção. Ficaria em cima da pia, e assim que abrissem a porta, BUM! Eu bateria a torneira com toda a força no rosto, fazendo a pessoa recuar.

Chutaria seu estômago, deixando sem ar e sem poder reagir, pensar.
Pegaria a arma dessa pessoa e atiraria bem no meio da testa."

Meu pai sorria, satisfeito.
"Uau. Muito bem."

Mas ele volta a se distrair, os olhos claros sem foco, pensando em muitas coisas.
"Pai, eu nunca vou precisar fazer isso, ne? Eu vou estar sempre segura, com você, minha mãe e o meu irmão."

Ele suspira.
"Bella, tem muitas coisas que você não sabe, meu amor, mas eu espero que não. Espero que nunca precise."

Minha respiração está pesada. Estou lembrando. As memórias me invadem, me possuindo. Não confio mais no que vejo. São memórias ou é real?

Me preparo para bater com força.
"Bella, você está aqui?"
É o meu irmão. Meus impulsos gritam, percorrem meu corpo como ondas de choque. Meus dedos apertam mais a torneira nas mãos, pronta para golpea-lo. Essa é a minha chance. Essa é a minha vingança.

Ele tentou destruir a minha vida um dia.
É a minha vez de destruir a dele.

"Yatra!"
Eu grito, correndo até ele.
Está jogado no chão, sangrando. O olhos direito inchado, roxo.
As roupas estão com sangue.

Engulo o choro. Meu irmão não precisa disso agora.
"Sai, Bells, sai daqui. Agora."
Ele quase me empurra. Não entendo. Por que está me pedindo isso...

Eu ouço o tiro antes de sentir.
Raspa no meu antebraço. Eu me jogo no chão, mostrando estar indefesa.

O tiro lateja, arde, tenho que morder o lábio para não arfar de dor.
"Ora,ora,ora, se não é a irmãzinha desse bastardo idiota."

"Não chame ele assim."
Eu rosno, furiosa.

"Cheia de orgulho, gosto disso. Vai ser uma pena te matar."

Outro tiro. O homem é atingido no peito e cai sobre mim. O sangue dele me suja. Eu o empurro com muito esforço.

"Você está bem?"
Yatra tenta se sentar para cuidar de mim. A arma ainda está na mão dele.

"Estou."
Arfo quando eu toco involuntariamente no local.

"Eu te disse, Isabella. Merda, eu te falei para fugir."

"E deixar você? Nem sonhando."
Eu dou um soquinho no braço dele, que ri.

"Bella, o que ta fazendo?"

Meus olhos se enchem de água.
A indecisão me rasga por dentro. Confiar ou não? Outra explosão, em outro corredor, acontece. Ouço uma gritaria.

Yatra ergue as mãos, com os olhos cheios de paciência e calma.
"Bella, não vou te machucar. Eu sei que não confia em mim por tudo o que eu te fiz, mas eu só queria te trazer pra casa. Não justifica, eu sei. Mas eu já te coloquei em perigo desde que você veio pra cá?"

Balanço negativamente a cabeça, ainda apertando a arma improvisada nas mãos.
"Você tentou matar minha mãe, torturou Shawn por dias, me ameaçou, me usou... Pra quê? Não. Não posso confiar em você."

"Eu estive com você todo esse tempo. Desde sempre. Eu errei muito, eu sei. Fui um babaca com você, mas acredita em mim quando eu digo que só quero te manter segura. Lá fora, está acontecendo uma disputa violenta. Descobriram que tiramos seu chip e querem te matar, agora. Estou aqui para te salvar. Poderia ter ido embora e me salvado, mas eu voltei por você.
Acredita em mim."

Suspiro, o coração pesado.
As memórias voltam, aos poucos.
Assinto, devagar. Não porque eu confio nele, mas pelo o que vivemos no passado. Ele é meu irmão, cuidou de mim e me ensinou muita coisa.
Era mais que meu irmão, era meu amigo.

Depois que tudo isso acabar, não quero vê-lo mais. Como pude ser tão idiota de deixar de lado tudo o que ele me fez só porque estava disposto a me ajudar? Como pude ser tão ingênua?

Uma explosão acontece no corredor.
Yatra me estende uma pistola.
Eu solto a torneira, contra meus instintos e pego a arma da sua mão.
Por agora, aceito uma trégua.

Mas mais tarde, ele não vai ter tanta sorte.
Porque eu não vou mais me deixar se enganada.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora