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Bella

Acordo com um braço me tocando.
Shawn está dormindo, ao meu lado. Parece tenso e percebo que está suado.

Seu corpo todo está tenso, lutando contra algo que está sonhando. Vira de lado, de frente pra mim e murmura algo. Sua expressão é sofrida e dolorosa demais pra mim. Ele está angustiado.

"Shawn, acorda."
Eu o sacudo. Ele não reage. Eu uso mais força para acordá-lo.

Aí ele finalmente abre os olhos, ofegante e ainda assustado. Quando ele percebe onde está e me vê, sua expressão se suaviza.

"Você está bem?"
Ele se levanta e tira a camisa. Parece ainda agoniado e o seu corpo está tenso, resquícios do pesadelo que ainda afetam todo ele.

Shawn se vira pra mim.
"Sim, estou."
Mas não está, sei disso. Vejo em seus olhos que o pesadelo não é mais algo incomum nas suas noites. Por isso o vi tantas vezes com olheiras. Shawn sonha com algo que o atormenta profundamente.

"Tem certeza?"
Eu pergunto, esperando que a doçura da minha voz tire suas defesas. Shawn não tem que se fingir de forte o tempo todo ou fazer pose pra mim. Ele é um ser humano, independente de qualquer coisa. Possui medos, lados bons, lados ruins assim como todos.

Ele praticamente despenca na minha frente, se sentando na cama. Eu me sento, ficando ben próxima a ele. Nesse momento não importa o que está acontecendo entre nós dois ou que sentimos. Só importa a dor dele.

"Se você soubesse, Bella..."
A voz dele é baixa e triste, pesarosa.
A dor é visível até na sua voz, na forma como os músculos murcharam, como se não fizessem mais diferença para o corpo dele. Shawn sustenta uma dor, uma culpa, em níveis tão intensos que parece cansado. Está cansado de ser tão refém do passado.

"Então me conte. Shawn, você não merece essa dor. Me deixa dividir ela com você. Não precisa passar por isso sozinho."
Ele me olha, e um sorriso ilumina seu rosto ainda apagado.

Então ele me conta a história que eu já sabia de cor. A história dele. Dói não poder dizer que eu já sabia. Estou mentindo pra ele e pra mim mesma.

Shawn está despejando em mim a sua própria dor e eu insisto em ser mentirosa.
Ele conta lentamente, com uma parte dele viajando no tempo e revivendo a história.

Quando ele termina, nem me encara.
Não pode nem consegue. Shawn tem medo que eu o julgue, que o chame de assassino. Vejo pela fraqueza e pelo silêncio que o toma. Está totalmente exposto na minha frente e eu nunca fiquei tão encantada com algo.

"Shawn, não foi você que fez isso. Você sabe disso. Só quer se culpar porque assim vai ter alguém para castigar, mas não é verdade. Você não é um assassino e seu pai sabe disso. Ele te amava, Shawn. Eu tenho certeza disso. Então não se castigue assim. Você não merece receber o castigo por isso."

Ele me observa atentamente. E então me beija, com necessidade, como se precisasse se sentir vivo. Acaricia meu rosto, sem ter capacidade de dizer mais nenhuma palavra mas eu vejo um brilho nos olhos dele que vale mais que qualquer palavra.

Shawn me puxa de volta para a cama.
Dessa vez, dormimos juntos, juntando nossas peças incompletas, esperando que, por um momento, baste. Eu e ele, somente isso. Nada de segredos, nada de passado, nada de dor.

Então eu adormeço, sentindo a respiração leve dele se misturar com a confusão do sentimentos que nos cercam.

×××
Acordo sem ter ideia de onde estou, sentindo uma movimentação estranha no quarto. Pisco algumas vezes, por causa da claridade intensa.

"Bom dia, Senhorita. Perdão se a acordei."
É uma menina, alguns anos mais nova que eu. Cabelos escuros, pele cor de café, um sorriso gentil e contido.

Me sento, confusa. O quarto é delicado e rústico, confortável. As portas de vidro da varanda estão abertas, revelando o som calmo das ondas do mar quebrando na areia. A brisa é fresca e salgada, mais diferente de tudo o que já senti.

"Não tem problema. Pode me dizer onde estou?"
Ela sorri, guardando alguns lençóis numa cômoda de madeira, assim como quase o quarto inteiro.

"Esta é a ilha privada do Senhor Mendes, Senhorita. Ele a trouxe aqui de madrugada. Não se lembra?"

Eu pisco. Ilha privada? Sorrio, tentando disfarçar minha confusão.

"Sim, me lembrei. Obrigada."
Me levanto e vou até o banheiro. É todo de madeira, também. Exceto a banheira grande, a pia, de mármore, e o vaso. A banheira também tem vista para o mar.

"Esqueci de avisar, Senhorita. Mas o Senhor Mendes pediu que descesse quando acordasse para tomar café da manhã. Ele deixou um vestido em cima da cômoda, para que vista."

"Já vou descer."
Ela sai do quarto e eu lavo o rosto, torcendo para que a água fria da torneira possa me deixar mais calma. Escovo os dentes e vou até a tal cômoda.

É um vestido leve, amarelo. Há uma calcinha e sutiã ali também. Eu visto tudo e abro a porta, passando pelo corredor.

Desço as escadas e o cheiro da comida já me guia e lembra meu estômago que faz quase 1 dia que eu não faço uma refeição de verdade.

Shawn já está comendo, enquanto lê o jornal. Parece tão normal, isso tudo, mas eu sei que tem algo errado acontecendo. Estamos literalmente no meio do nada. Não há terra a vista, somente mar. Quilômetros infinitos de oceano.

"Bom dia, Senhor Mendes."
Ele ri e guarda o jornal. Shawn achou uma tarefa majs divertida que ler: me observar.

"Não seja tão debochada comigo, Isabella. Eu te trouxe para te proteger."

Eu me sento, encantada com tanta comida. Faço questão de me sentar do lado oposto ao dele, ainda irritada por ter sido trazida aqui. Minha ideia de fugir era passar uns dias em alguma cidade, até tudo passar. Mas ele me trouxe pro meio do nada. É lógico que eu não vou sair daqui tão cedo.

Me sirvo de suco de Graviola e de panquecas com frutas vermelhas. Meu coração doi enquanto observo as panquecas perfeitas. Camila estava na missão de fazer o café da manhã perfeito, mas sempre errava no tamanho. A falta dela dói profundamente em mim, mas agora não importa.

"Proteger. Estamos fugindo, Shawn. Isso não é nada heróico."
Eu corto um pedaço e ponho na boca. Está perfeito, claro. O encaro. A tensão no ambiente é visível, mas eu não vou arredar.

"Estou tentando cuidar de você. Não enxerga o perigo que te cercava?"
A voz dele é ríspida e afiada. Parece quase ofendido por eu não me sentir grata. Eu não sou uma princesa que precisa ser protegida. Eu ia investigar esse grupo, iria descobrir porque eu os interesso tanto. E ele atrapalhou isso.

"O perigo sempre esteve a minha volta. Minha família foi assassinada. Minha mãe morreu enquanto eu me divertia. Eu perdi a minha melhor amiga. Você não entende que isso não importa pra mim? Não vou viver trancada aqui, com medo de ser encontrada."

Shawn dá uma risada cruel e seca. Está debochando de mim, o que me irrita profundamente. Queria dar um soco na cara dele por isso.

"Isabella, minha querida, você não vai a lugar algum. Está trancada aqui, sim, e comigo. Então simplesmente aceite a minha ajuda e aprenda a gostar desse lugar. Vamos passar muito tempo aqui."

Eu fico tensa.
Novamente eu sou o brinquedinho dele, disponível para usar quando quiser. Eu acreditei nele e ele me prendeu aqui.

Eu sorrio pra ele, tomada por um ódio mortal. Odeio ser controlada, vigiada, encapsulada numa caixinha e tratada como um animalzinho de cristal. Odeio ser usada.

"Como quiser, meu Senhor."
A provocação o incomoda, vejo nos olhos dele, mas é muito orgulhoso pra me dizer o que sente. Ele quer mandar, quer ter o controle de tudo e fará isso. Mesmo que signifique que eu o odeie.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora