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Bella

Desço as escadas correndo.
Estou atrasada, como sempre.

Julie está fazendo o café da manhã e, assim que me vê, fecha a cara. Ela é tão pontual e tão perfeita, enquanto eu sou agitada e doida.

"De novo, Isabella? Seu despertador não funciona não?"
Ela põe o café na mesa e eu me sirvo.

"Serve, meu cérebro que não funciona no primeiro toque."
Eu rio e ela bate na minha cabeça de brincadeira com a colher de silicone.

"Cria juízo, garota."
Eu mostro a língua. Ela vai pra cozinha, enquanto eu ponho os ovos mexidos no prato.

Ouço disparos vindo de lá. Ela para, de costas pra mim. Foi atingida. Sei disso porque o sangue escorre dela, pingando como uma torneira aberta.

Fico sem voz. O grito quer sair da garganta, mas não sai. Está preso, assim como o meu coração parece se contorcer de dor.

Vou até ela, correndo. Ela cai no chão.
O rosto está pálido e os olhos não tem foco, mas está viva. Talvez por um fio, mas está.
"Você causou isso, Isabella."

"SAI DAQUI."
Eu grito, chorando. Yatra me incomoda até nos meus pesadelos.
"Eu estou aqui, Julie. Eu te amo, ta? Não me deixa."

Yatra ri, atrás de mim. Queria ter uma pedra agora pra jogar na cabeça dele. Quem sabe assim ele cala a boca.

A vida some dos olhos dela, aos poucos.
"MÃEE"
Um último grito sai, rasgando a minha garganta, explodindo em soluços e me destruindo por dentro.

Acordo gritando.
"Bella, o que foi?"
Shawn abre a porta, preocupado. Eu me levanto e corro para abraça-lo. Ele me acolhe com os braços quentes e coloca o queixo na minha cabeça.

Eu choro baixinho.
Não gosto de precisar das pessoas, mas eu preciso. Alguém tem que tirar esse sentimento da angústia e de dor que toma o meu coração agora.

Eu me afasto, enxugo as lágrimas com as mãos e tento me recompor.
Shawn me olha afetivamente.
"Tive um pesadelo."

Ele assente e pega minha mão.
"Vamos tomar café?"

Eu olho para a janela.
"Nem amanheceu direito."

Ele sorri e coloca na minha orelha a mecha que estava no meu rosto.
"É a melhor hora para entrar no mar. Confia em mim pra isso?"

Eu sorrio.
"Posso ficar sentada na areia?"
Ele ri.

"Vou pensar."
Eu dou um tapa nele, enquanto me leva para a mesa. Tem frutas frescas, torradas, queijos.

"Você que fez?"
Estou realmente chocada.
Ele finge estar ofendido.

"Assim você me magoa, Isabella. Eu estava preparando essa ida ao mar para mais tarde, mas vai te distrair e te acalmar. Então não seja ingrata."

Eu rio, enquanto pego uma maçã verde. Ele come rapidinho e vamos para o mar.
"Se quiser, pode ficar na areia, mas eu gostaria que confiasse em mim. Vamos no seu ritmo."

Eu pisco.
"Quero ficar um pouco aqui."
Ele me dá um beijo na testa, todo fofo e começa a tirar a camisa e o short.
Claro que eu aproveito para olhá-lo, como sempre. E ainda me impressiono com a perfeição do seu corpo.

Ele me pega olhando e me dá uma piscadela, o que me faz revirar os olhos.
Shawn vai até a água e mergulha. Eu fico tensa. Ondas batendo na costa. A água salgada nos meus pulmões. É difícil respirar.

Pisco. Isso foi um flash? Pisco outra vez, respirando com dificuldade. A imagem foi tão real que o ar parece precioso para mim.

Respiro com rapidez e ofegante. Tem algo errado. Minha mente está em conflito com o que é real e o que é uma memória.

"Bella, não faça isso."
Eu reviro os olhos. Tenho 9 anos e estamos na praia, em alguma cidade no interior da Itália.

"Mamãe, como vamos para a praia e eu não posso entrar no mar? É como eu ir para a escola e não poder aprender!"

Uso esse exemplo porque eu sei que ela cerraria os olhos e, por fim, deixaria.
E acontece exatamente isso.
"Não vá para o fundo."

Mas ela não sabe do meu amor pela água, pelo mar. É algo real, intenso. Sempre sonhei em ser uma sereia e nadar com os golfinhos pela costa.

Ponho meu biquini de sereia e entro na água, esfregando os pés na areia.
Meu pai está ali, ao meu lado. O rosto dele é nebuloso para mim. Ele pega a minha mão.

O celular dele toca.
Eu olho para ele, cerrando os olhos por causa do sol quente.
"Pode atender, papai. Eu vou ficar bem."

Ele suspira e beija minha testa.
"Não saia daí, Bella. O mar é perigoso pra quem sonha demais."

Meu pai se afasta.
Eu dou dois passos para frente, impondo para mim mesma esse limite. É perigoso, mas eu sou tão encantada pelo mar.

Algo me puxa para baixo. Já não estou mais fora da água. Meu corpo luta para voltar, mas não consegue.
O sal entra nos meus pulmões. Quero tossir e jogar para fora a sensação. Meus olhos ardem, e meu corpo todo doi, pelo esforço de me manter viva.

Alguém me puxa para fora. Eu tusso e choro baixinho, uma mistura de sentimentos.
"Bella, por Deus! Eu te disse."

Meu pai parece preocupado.
Me tira da água e me cobre com a toalha. Eu estou tremendo mas não de frio.
De medo. De tristeza. Assim como eu, meu coração afundou na areia e eu fiquei só. Até quando isso vai acontecer?

"Bella?"
É Shawn. Está todo molhado e me sacudindo. Seus olhos estão sem brilho e seu rosto, sem cor. Está tenso.

Eu respiro e ele senta ao meu lado.
"Você me deixou preocupado. Me virei pra perguntar se tinha mudado de ideia, mas eu te vi pálida e tremendo muito. O que aconteceu?"

Minha mente ainda está confusa e a sensação da água do mar me impedindo de respirar ainda se difunde com o real.

Eu o olho, engolindo em seco.
"Acho que eu acabei de reviver uma memória."

Ele pisca.
"Mas você não se lembra, não é? Do seu passado?"

"É esse o problema. Eu acabei de lembrar disso. Algo está errado, posso sentir."

Shawn coloca a mão no meu braço, me confortando.
"Acho que já está na hora de você lembrar."

Eu assinto, enquanto o sol nasce.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora