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Bella

Tomo um banho frio, longo.
Quase sinto o tempo passando ao meu redor. Eu ainda acordo todos os dias com esperança de que ele ainda apareça, então cada dia parece durar anos, mas já passaram 48 horas. Amanhã, a gente vai para Toronto e vai ser tudo ou nada.

Me enrolo na toalha e seco superficialmente o cabelo, já que, como sempre, está muito calor.
Pra minha surpresa, está chovendo. É, o tempo está mudando.

Ponho algo leve, até porque, mesmo chovendo, ainda está abafado.
Desço as escadas e há um certo movimento na sala. Quase parece tudo normal.

Camila está pintando as unhas dos pés e Aaliyah está ao lado dela, vendo um filme. Esbarra de brincadeira no braço da Camila.
"SE VOCÊ ME BORRAR, EU ESFREGO ESSE ESMALTE BEM NA SUA CARA."

Ela diz, me fazendo rir.
Tão normal que dói. Mesmo que tudo tenha mudado pra mim, de certa forma, pra elas não. Claro, não é só eu que sente a falta dele. Provavelmente elas também reparam como a casa parece grande sem ele, mas reagem a isso melhor que eu.

Começo a roer a unha, uma mania que eu já tinha abandonado há anos.
"Pare com isso, Isabella. Unha não é comida."

Dona Karen aparece, servindo a mesa de jantar. Ela e Leslie cuidam da comida, pra minha alegria. Karen cozinha muito bem.

"Bem vinda ao meu mundo."
Aaliyah diz, sussurrando só pra mim. Karen bate a colher nela, mostrando que ouviu tudo.

Aaliyah faz uma careta.
Camila está me observando, enquanto ela acha que eu não estou olhando. Não consigo lidar com isso ainda, mas elas sabem. Eu mudei muito. Mudei tanto que não sei lidar com isso, ainda.

Desço as escadas e roubo uma batata frita, e ganho um tapa na mão da Karen.
"Ninguém toca na comida ainda."
Ela dá um olhar ameaçador e volta para a cozinha.

Suspiro dramaticamente, enquanto sento no outro sofá.
"Pinta minhas unhas, Camz?"
Não faço questão, mas queria. Me sinto sozinha, apesar de, fisicamente, eu não estar. Queria me sentir parte disso.

Antes que eu fosse embora, talvez para sempre.
Sorrio, tristemente, enquanto ela bufa.
"Tão folgada."

Queria ter algo, algo que eu pudesse agarrar quando sentisse medo, porque, querendo ou não, todo esse tempo treinando, nada me preparou para a dor, para o medo.

Se algo acontecesse, eu queria ter memórias delas. Não algo antigo, mas algo que eu pudesse lembrar cada detalhe.

Ela capta meu olhar e sua expressão muda.
Desvio o rosto. Não quero que sintam pena de mim. Prefiro seus rostos com sorriso normais. Não posso vê-las preocupadas comigo.

"Pinto, Bellz, você sabe que eu vou pintar."
Ela diz, num tom cuidadoso, como se eu fosse uma criança machucada e ela estivesse tentando me dizer que tudo ficaria bem.

"Venham, meninas."
Karen chama. Quase a agradeço pela distração. Odeio que sintam pena.
Camila senta do meu lado e pega minha mão, apertando levemente 3 vezes.

Sorrio.
Lembro quando a gente era pequena e criou os códigos, para momentos difíceis. A avó dela tinha morrido, e estávamos no enterro. Ela estava sozinha. Eu sentei do lado dela e apertei sua mão 3 vezes. Ela sorriu, fungando, entre as lágrimas, e perguntou o que significava.

"Que eu te amo. Sempre."
Eu disse.
Sorrio, lembrando.
Aperto 3 vezes, de volta. Camila sempre soube me ler, mesmo distante, e tenho certeza que ela teme por mim. Achei um jeito de fugir da minha dor, e isso a preocupa, eu sei, mas ela sempre esteve ao meu lado. Nunca vou poder agradecer-lhe por isso.

Eu a abraço, sinto os olhos encherem de água.
E comemos, felizes pela primeira vez em muito tempo. É fácil esquecer do que vai acontecer em algumas horas, tudo vai mudar. Fico feliz em saber que essa vai ser a minha última noite aqui, antes de... Nem sei como descrever.

Ajudamos a recolher a mesa e eu tenho uma ideia.
"Vamos fazer uma noite das meninas, no meu quarto. Por favor."
Eu digo. Elas assentem, sorrindo. Não queria dormir sozinha, não queria ter pesadelos.

Camila põe seu pijama de nuvens. Claro que ela trouxe sua marca registrada. Quem é a minha cubana sem seus pijamas perfeitinhos?

Ela está com o cabelo preso e trouxe uma caixa cheia de coisas. Caio na risada. Cami tem seu jeitinho peculiar de me fazer sentir bem.

Perdi a conta de quantas vezes eu liguei pra ela, chorando por causa de garotos, e ela trazia pizza e o Diário da Princesa, nosso filme preferido. Camila é a minha irmã de coração.

Aaliyah logo chega também.
Elas fazem uma cabana de cobertores, entrando no clima. A chuva ainda cai, lá fora, o que é decepcionante, já que a lua não está visível, no seu coberto de nuvens escuras.

Camila pendura piscas piscas na cabana, enquanto eu coloco os travesseiros e as coisas que vamos usar.

Esmaltes, Uno, um pacote de marshmallows, a polaroid lilás da Aaliyah e maquiagem. Pisco, tentando conter as lágrimas. É o nosso kit de emergência.

Definimos o kit de emergência para corações partidos quando Aaliyah soube que o namorado dela tinha terminado com ela. Na verdade, estava seguindo em frente.

"Não, nada de chorar hoje. Vou te maquiar e se você borrar a maquiagem, eu vou cometer um assassinato aqui."
Aaliyah diz, sorrindo. Queria arrancar esse sorriso da cara dela. É igual ao dele e não poderia doer mais.

"Eu ajudo."
Camila diz, já abrindo o Marshmallow.
"Tudo bem, vamos conversar sobre pessoas que deixamos em Toronto e que não queremos admitir que amamos?"
Eu digo, olhando pra Camila, com um sorrisinho.

Ela fecha a cara e Aaliyah cai da risada.
"Tão ridículas, vocês. Depois apanham e não sabem porque."

Rimos. Camila tem tipo, 2 centímetros de altura, mas sempre faz essas ameaças de violência. É tipo um ursinho de pelúcia agressivo.

Jogamos tantas partidas de Uno que perdemos as contas. Pintamos as unhas e elas me maquiaram. Tiraramos várias fotos e conversamos sobre todas as coisas do mundo.

Meus olhos estão pesando.
Fazia muito tempo que eu não me sentia tão bem assim.
"Meninas, eu queria agradecer vocês..."

Camila me impede.
"Isabella Ferretti, isso não é uma despedida. É um até logo."
Aaliyah assente, visivelmente afetada. Claro que sim. Ela perdeu o pai e o irmão. Somos a família dela, de certa forma.

"Aqui. Pra você se lembrar que, mesmo que na maioria do tempo não pense isso, você tem quem te ame."
Aaliyah me entrega uma das fotos.

"Se você morrer, eu te mato."
Camila diz, rindo entre as lágrimas.
Eu as abraço com força, desejando que esse momento dure para sempre.

Acabamos dormindo na minha cama, esparramadas e grudadas.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora