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Bella

Alguns meses depois que tínhamos ido para o Canadá, o Inverno nos atingiu com muita força. Sentia tanto frio, que meu corpo parecia prestes a congelar.
Eu tremia dos pés a cabeça.

Então, minha mãe criou uma brincadeira, que acontecia todos os anos, só naquela época.
Chamávamos de Caça ao Culpado.

Ela chamava Camila e Lucas, que eram meus melhores amigos, para passar o dia lá em casa. Ficávamos semanas ansiosos pelo dia da Caça ao Culpado.

A casa ficava toda escura, exceto pelas lâmpadas de luz negra, que eram colocadas no lugar das normais.
Um de nós era o culpado de um crime horrível e, quem encontrasse ele primeiro, ganhava dinheiro para gastar como quisesse.

Só que ninguém sabia quem era o culpado, exceto pelas pegadas verdes pela tinta fluorescente que era botada na sola do sapato da pessoa.

Tínhamos que seguir as pistas até encontrar a pessoa, e se entregassemos alguém errado, éramos castigados.
Então, minha casa se tornava uma zona de caça.

Pensando agora, acho que minha mãe criou esse jogo pra que, sem eu saber, acabasse treinando. Agora, estou realmente caçando o culpado e,dessa vez, o prêmio não é dinheiro, é a vingança.

Camila sorri torto. Ela também lembrou da brincadeira.
A casa está silenciosa, agora. A verdadeira guerra acontece lá fora.

Caminhamos para fora, atentas.
Uma chuva de tiros são disparadas contra nós, mas, para a minha sorte, Camila estava mais concentrada que eu, e me puxa para baixo, me fazendo escapar dos tiros.

As janelas são estilhaçadas, e os cacos voam para todos os lados.
Tampo o rosto, sentindo os cacos arranharem meus braços.

Rolo, tentando fugir da mira deles e me levanto quase num salto. Minha adrenalina me anestesia, o que é um alívio. Chega de dor, por hoje.

Camila praticamente emana fogo, fúria.
Sempre defendeu com unhas e dentes quem ama e é a coisa que eu mais amo nela.

Me levanto, com muito esforço. Estamos cercadas. Os olhos dos soldados estão brilhando de empolgação. Será que me matariam rápido ou lentamente, sentindo sangue escorrendo de mim, assim como a minha vida?

Cerro os punhos, enquanto olho para Camila. Assentimos discretamente. Não vamos nos entregar.
Atiramos. Os disparos múltiplos ecoam e fazem ruídos.
Talvez seja melhor eu me concentrar na arma do que neles. Mesmo que estejam contra mim, são pessoas.

Filhos de alguém. Talvez pais de alguém. É uma dor insuportável.
Camila é atingida no braço e ela solta um grunhido de dor que parte meu coração.

Seus olhos não encontram os meus. Ela não queria que eu visse a dor neles.
Mas eu a conheço: está derrotada.
Eles se aproximam e eu me preparo para os golpes. Deixo meu corpo agir por mim.

A velocidade e a força que vêm de mim é resultado do ódio e da adrenalina intensa, que dispara meu coração e faz ele pulsar nos meus ouvidos.

Os primeiros, eu derroto facilmente, o que é estranho. Eles provavelmente são os melhores homens que Yatra tem, para garantir que venceria.

Por que não estão me atacando?
Estão somente se protegendo, o que me faz parar e encará-los. O tiro na Camila foi no braço dela e, o meu, na perna. Lugares onde nos faria parar, e não nos matar.

Não querem nos matar.
"Acabou de se divertir com os meus homens, Bella?"
Suspiro de surpresa é a minha resposta.  Recuo. Ele está ali, bem na minha frente, parecendo super entretido com a situação toda.

"O que você faz aqui?"
Ele parece incrivelmente calmo, o que me faz querer socá-lo até que o seu sangue imundo suje as minhas mãos.
Eu sou um animalzinho pra ele, no final das contas.

Trinco os dentes e planto os pés no chão, me recusando a mostrar o show de emoções que explodem dentro de mim.
"Não é óbvio, minha querida?"

Seu tom é passivo e tranquilo.
E seus olhos brilham, com cuidado.
Ele me quer e veio me buscar. Essa destruição foi um aviso do seu poder.
Cuspo no chão, irritada.

"Não me chame assim e não vou a lugar algum com você."
Ele dá uma risada curta e fria. Faz um aceno e eu percebo que dois soldados se aproximam, segurando Aaliyah e sua mãe.

As duas estão machucadas.
Muito machucadas.
Sra Mendes mal me olha, envergonhada. Mesmo ressentida com a sua traição, vê-la assim me dói intensamente.

Ele me analisa, me deixando pensar.
"Deixo elas e esse lugar, nunca mais vou tocar em ninguém que você ame. Essa é a minha condição. Se você se negar, Isabella, terei que executá-las na sua frente."

Ele diz, tão calmo e baixo que me assusta.
"Só vou se devolver Sofia Cabello também. Ela precisa estar a salvo tanto quanto as pessoas dessa casa. E quero ela entregue aqui."

Isso não é nada pra ele.
Sua paciência se esgotou.
É 8 ou 80.
Cerra os olhos, pensando. Eu vou ser dele, não precisa mais manter ninguém refém, como uma moeda de troca.
"Feito."

Shawn foi morto.
Minha mãe foi morta.
Ambos pelas mãos dele.
Quantas pessoas mais vão ter que morrer por minha causa?

Posso não confiar em Karen, mas ela perdeu o filho por minha causa. Se fosse eu, eu me odiaria para sempre. Me desprezaria e cuspiria em mim.

Não posso deixar que paguem com a vida por minha causa.
Chega de sangue inocente derramado.
Chega de dor por mim.
Chega de sofrimento causado pelo meu egoísmo.

"Não aceite. Esse doente não vão cumprir a promessa."
Camila diz, a voz tomada por dor e ódio. Apesar de querer me proteger, sei que ela quer a irmã de volta.

Eu a olho e beijo seu rosto, sabendo que se eu dissesse qualquer coisa, choraria. Estou deixando a minha melhor amiga, outra vez. Dessa vez, amando-a e sentindo meu coração doer por ter que deixar ela.
"Te amo, Camz."

Finalmente digo.
Ela parece se segurar para não desabar e eu sigo em frente.
Aaliyah me agradece silenciosamente, com os olhos cheios de água.
"Sou sua, Yatra. Cumpra a sua promessa."

"Que tipo de rato mentiroso acha que eu sou, Isabella? Está me ofendendo. Eu sempre cumpro com as minhas promessas."
Não acredito nele, mas não posso fazer mais nada com elas.

Ele chega ao meu lado e eu queria enforcá-lo com as minhas próprias mãos. Suspiro.
"Vamos, querida. Vamos para casa."

Ele põe a mão nas minhas costas, me ajudando a andar. Elas são soltas e eu olho para trás. Aquela é a minha casa e aquela é a minha família.

Eu nunca vou me esquecer disso.
E mesmo sabendo que seria quase impossível, eu vou voltar para esse lugar.

Porque a guerra, acabou de começar e está longe de acabar.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora