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Semanas antes...

Julie

É difícil pensar ou manter a sanidade quando se passa quase 11 meses presa.
Geoffrey me dá uma bandeja de comida, o que significa que é hora do almoço, mas estou sem fome.

Ouvi os soldados de plantão comentando que Yatra tem planos para trazer Isabella para cá.
Se ela for trazida, não vai sair. Nunca. Sua vida vai estar condenada para sempre e tudo o que eu fiz para protegê-la desse mundo vai ter sido em vão.

Penso na Bella. Conheço ela e sei que é muito mais forte do que imagina.
O dr Wallis entra, para examinar minha cicatriz.

"Fiz um ótimo trabalho."
Eu o olho, cruzando os braços.

"Podia ter me deixado morrer. Teria poupado muito trabalho."
Rosno. Éramos amigos, ele me ajudou a fugir com Bella e agora me mantém aqui, garante minha vida para que possam brincar com a minha mente.

"Eu sinto muito, Rose."
Fazia muito tempo que não me chamavam pelo meu nome verdadeiro. Quase soa estranho aos meus ouvidos.

Ele sai, me dando um olhar triste antes. Odeio olhares de pena. Não os quero. Não preciso de olhares, precisam que me tirem dessa droga de lugar.

Respiro, tentando manter a calma. Ultimamente têm sido mais difícil do que nos outros meses. Estão se preparando para a vinda dela e é pior do que qualquer destino que poderiam me dar.

Deixei essa vida para salvar minha filha e tudo foi em vão. Se ela tiver visto as fitas, se tiver me desobedecido, então ela vai saber no jogo de sangue e poder que vai estar se envolvendo.

Mas ela é minha filha e é claro que seu coração vai impedir de pensar em si mesma. Seu coração vai impedir que se salve.

Arremesso a bandeja na porta, gritando.
"Me matem logo, seus babacas. Sou inútil pra vocês."

Soco a porta, até que a dor acabe com o aperto no meu peito. A sensação de que tudo vai acabar mal é sufocante.

Os nós dos meus dedos estão sangrando e a dor é forte a ponto de eu ter que morder meu lábio inferior.
"Pare, pare. Rose, por favor, pare."

Ruggiero segura meus braços e me afasta dali.
Ele me senta na cadeira, enquanto eu só consigo imaginar quantas formas eu posso arrancar a cabeça dele.
Esse babaca sabe que está arrastando nossa filha para um ninho de cobras, mas isso não importa pra ele.

Para os Ferretti, só o poder importa.

"Tira as suas mãos de mim, Ruggiero. E não me chame assim."
Rosno.

Ele ri. As vezes, quando vem me ver, eu me lembro porque eu era apaixonada por ele.
"Sempre geniosa. Acho que Isabella teve a quem puxar."

Solto um ruído de irritação.
Fui deixada pra morrer e Ruggiero salvou minha vida. Eu queria só entender qual a razão para isso.

Não levei só sua filha para longe, levei seu precioso chip. Tenho algo que ele quer, caso contrário, teria me matado. Reconheço a luz negra dos seus olhos. Está furioso e magoado. É uma combinação perigosa para um homem que não mede consequências.

"Está trazendo ela para morrer. Isso não te abala?"
Minha voz sai fraca. Me sinto assim, também. Fraca e cansada.

A expressão dele se endurece.
"Ninguém vai encostar nela. Não enquanto eu viver."

"Nesse mundo, essa não é uma promessa muito firme."
Digo, baixo. Ele sabe do que eu estou falando. Tem muito em jogo, muito interesse e muita ambição de todos os lados.

Vejo em seu rosto o cansaço e o medo.
Ruggiero mudou. O que eu conheci e amei nunca hesitaria antes de fazer o que for necessário para se dar bem. Mesmo que significasse passar por cima da família.

"Rose, não vai."
Ele grita, os olhos cansados e o rosto pálido. Está com medo. Mas dessa vez, não posso ter pena dele. Temos que ir, se quisermos ficar vivas.

"Você sabe que tenho."
Ele pega minha mão. Meu corpo se endurece. O toque gentil dele não pode me fazer mudar de ideia.

"Vai voltar algum dia?"
Olho para ele.

"Espero que não."
Ele abre um sorrisinho.
E me beija. Gravo cada detalhe, cada gosto e cada arrepio do meu corpo. Por detrás de toda a ambição e do poder, ainda existe o homem que prometeu me amar para sempre.

"Temos que ir."
Dr Wallis diz, do carro. Olho para trás e vejo o rosto de Bella, confuso e assustado. Preciso cuidar dela.

"Vá. Vou fazer o que for pra que nunca encontrem vocês. Cuide dela."
Ele diz, o rosto cheio de dor, e se afasta, entrando na casa.

"Senhor?"- Um dos soldados entra. Ruggiero tira os olhos dos meus e olha para ele. -" Chegou isso aqui."

É um pacote.
Mais um.
Ruggiero faz um aceno, para que ele saia e ele pega o pacote.

Abre lentamente, enquanto eu prendo a respiração.
Conheço esses pacotes. Ele os recebia na época que morávamos aqui. Foi por causa deles que eu parti com Bella.

Uma foto da Bella e uma das fitas. A foto está meio queimada e a fita, destruída. Ambas cinzentas. Pegaram fogo.

𝚀𝚞𝚎 𝚙𝚎𝚗𝚊 𝚚𝚞𝚎 𝚎𝚕𝚊 𝚗𝚞𝚗𝚌𝚊 𝚟𝚊𝚒 𝚌𝚑𝚎𝚐𝚊𝚛 𝚊 𝚍𝚎𝚜𝚌𝚘𝚋𝚛𝚒𝚛 𝚘𝚜 𝚜𝚎𝚐𝚛𝚎𝚍𝚘𝚜 𝚚𝚞𝚎 𝚝𝚎𝚖 𝚗𝚎𝚜𝚜𝚊𝚜 𝚏𝚒𝚝𝚊𝚜.

Um grito fica preso na minha garganta.
Minha casa foi incendiada. Alguém viu todos os nossos segredos e memórias e destruiu tudo.
"Isso muda tudo."

Assinto, ainda perplexa. O coração acelerado tão alto que acho que Ruggiero pode ouvir. Minha cabeça doi.
Se Ruggiero até hoje recebe essas coisas e não pode fazer nada, então o nosso inimigo é muito mais perigoso e cruel do que imaginávamos.

Enterro as unhas nas palmas, agoniada com a exposição à qual estamos submetidos. Alguém conhece nossas essências, o que amamos e o que prezamos. Alguém nos tem nas palmas das mãos e na hora certa, vai destruir todos nós.

Faço uma oração silenciosa para que Bella não seja atingida, mas nem eu acredito do que estou pedindo. Isabella faria qualquer coisa para proteger quem ama. Seu bom coração vai acabar com ela.

Ruggiero sai da cela, me deixando sozinha, afundando nos meus pensamentos. Algo muito perigoso está acontecendo lá fora.

E dessa vez, ninguém poderá proteger Isabella.
Espero que ela seja forte o bastante para enfrentar isso sozinha.
Olho para a janelinha.

Uma guerra silenciosa está prestes a começar e muito sangue vai ser derramado nela.
Muita dor vai ser causada.
E lealdades serão testadas.

Mordo o lábio, sentindo o gosto de sangue.
Não há nada que eu possa fazer além de sentar e esperar. Nunca estive tão próxima da insanidade.

Talvez seja mais fácil se eu desligar minha mente. Se eu enlouquecer.
Não vou sentir dor. Não vou me importar. Sou uma arma que vai ser usada para apontar para a cabeça da Isabella e obrigá-la a fazer o que quiserem.

A guerra já tinha começado muito antes do que eu imaginava.
Começou há 11 meses atrás.
E está longe de acabar.

Sinto os últimos resquícios de sanidade escapando entre meus dedos, como água. Olho para o céu azul, enquanto minha mente se embaralha e guarda a sete chaves os segredos que nunca vão ser revelados.

Seja forte, Bella. A verdadeira guerra ainda está por vir.

Liar ~ Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora