Por que eu?

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Ela morreu na manhã do meu aniversário.

Simplesmente não acordou, foi consumida pelo câncer.

Como ela pôde esconder por tanto tempo a doença?Por que não dividiu comigo o peso?

Eu realmente estava com raiva dela.E ao mesmo tempo com saudades; pensei em como seriam os dias sem a presença da mulher mais guerreira e bondosa.

Um buraco se abriu em meu peito, deixando um vazio impossível de ser preenchido.Afinal ela era única e insubstituível.A pessoa mais importante pra mim.

Lembrei da mamãe falando que eu deveria voltar a morar com o papai e com a Sofia, caso o pior acontecesse.

Apesar de ter prometido que voltaria para Cuba, eu não tinha a menor pretensão de deixar o país.

Sinceramente, eu só pensava em desistir de lutar, dar um fim a toda a minha dor, pois eu me sentia caindo em um abismo sem fim.

Lágrimas escorriam sem cerimônia, por ter perdido a minha rainha, por estar sozinha no mundo, por me sentir impotente, e principalmente por não querer ir embora.

Eu amava meu pai e minha irmã, no entanto o meu relacionamento com a minha mãe era diferente, a nossa conexão era muito mais forte.

--Mi hija necesitamos ir al aeropuerto.-Meu pai falou segurando em meu braço, quase me arrastando, pelo cemitério.

--Eu não vou...Eu quero ficar aqui, pelo menos até terminar o Colégio, papilla.

--Kaki, vamos!Por favor!--Minha irmã disse, fazendo uma carinha de cachorro.

Foram vários minutos de conversa familiar, em espanhol.O que chamou a atenção da maioria das pessoas presentes no funeral.

Obtive êxito apenas quando uma adulta, se propôs a se responsabilizar por mim.

--Ela pode ficar comigo, pelo menos até concluir o ensino médio.Aliás, me chamo Lauren.--A advogada se apresentou estendendo a mão ao meu pai com uma confiança invejável.

--E quem é você?É uma professora dela?--Papai perguntou desconfiado.

--Não; sou a mãe do Harry.Ele e a Camila são melhores amigos.E eu ficaria muito feliz em hospedá-la, se o senhor permitir, é claro!

Conversaram por algum tempo, em particular.E praticamente ao final do diálogo, consegui ouvir.

--Ok.Mas prometa cuidar dela, como se fosse sua própria filha.

--Eu prometo.

Então combinaram onde eu moraria pelo resto do ano sem nem ao menos me consultar, como se eu não tivesse liberdade para escolher meu próprio destino.

Não que eu não quisesse morar com a Lauren, só achei o jeito dela meio controlador.

***

Sofia me abraçou tão forte, que parecia querer quebrar os meus ossos.Também falou algumas coisas bonitas, as quais eu não prestei muito a atenção.

O sr.Estrabao me envolveu em um abraço mais singelo, derramando lágrimas em meu ombro.

--Vou sentir sua falta, mi hija.

--Eu também!

Um dos detalhes combinados antes de morrer, foi um seguro de vida feito pela minha mãe.Deixando como beneficiárias eu e a Sofia.

Meu pai quis convencer a Lauren a aceitar uma quantia por mês, para minhas despesas.No entanto ele me contou que ela não aceitou.

A habilidade de persuadir as pessoas, não me surprendia.Fazia parte do trabalho dela.Todavia o meu pai costumava ser teimoso, convencê-lo a me deixar com ela, foi realmente um trabalho profissional.

Além de tudo o homem era orgulhoso; fiquei pensando no que ela havia falado para fazê-lo concordar.

--Ei Camz, você está melhor ,meu anjo?--A mulher indagou, enquanto dirigia rumo a mansão.

--Estou...Obrigada por me deixar ficar com vocês.--Na verdade eu me sentia péssima, mesmo assim precisava ser grata.

Dentro de mim havia um monólogo incessante "por que eu? Por que a minha mãe?"

***
O marido da Lauren havia deixado a residência, após ter sido acusado de abusar da Amber.

Ainda que o advogado dele, tivesse conseguido fazer um acordo com a ex secretária, a imagem do ator havia sido manchada.E ele jamais perdoaria Lauren por ter defendido a mulher.

Ela demonstrava estar feliz em se sentir livre.Nunca vi alguém separar e ficar tão alegre.

E o Harry, parecia estar processando a separação dos pais gradativamente e silenciosamente.

Eu ainda de luto, tinha a estranha sensação de estar em um looping infernal, em que os dias pareciam iguais, ir a escola, voltar, navegar na internet em busca de alívio e sentir uma frustração imensa em não ser vista pela Lauren da forma como eu gostaria.

Se eu pudesse mudar a minha idade, ou viajar para o futuro, talvez eu tivesse uma chance com ela.

Às vezes eu me olhava no espelho e odiava o meu corpo, porque ele era apenas o sepulcro de uma alma angustiada.

Minhas notas nos trabalhos iam de mal a pior, ameaçando minha bolsa de estudos.

Eu não estava nada bem, até mesmo suicídio passava pela minha cabeça.

--Ei Camz, você precisa comer.

--Eu não estou com fome.

--Estou preocupada com você, o que acha de ir a uma consulta?

--Não precisa, Lo.Você já está fazendo muito por mim.

Antes que eu pudesse levantar para sair da mesa, a mulher se aproximou da cadeira, me envolvendo em seus braços.

Como eu estava sentada, os seios dela ficaram praticamente no meu rosto, exalando um perfume natural.
Foi um abraço carinhoso, delicado e até mesmo maternal.

Por pouco não me desmanchei, colocando toda a tristeza pra fora.
Mas se fizesse eu a assustaria.

--Eu sei que tem sido difícil pra você, Camz...Saiba que pode contar comigo.
Eu estou aqui por você.

--Obrigada Lolo.

Beijando o topo da minha cabeça, a mãe do meu amigo se distanciou sorrateiramente.

Algo havia mudado entre nós, desde a morte da minha mãe.Era como se ela tentasse sufocar os sentimentos, cuidasse ao máximo para não encostar em mim.

Foi o primeiro contato físico desde que eu havia me mudado.E de alguma forma aquilo me aqueceu por dentro.
Me senti amada, protegida.






Código LaurenOnde histórias criam vida. Descubra agora