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Corro tão rápido que sinto minhas pernas doerem e os pulmões arderem pela alta demanda de ar, que estava muito gelado naquela altura da noite.

Era longe e prometi que chegaria rápido mas não tinha um carro e muito menos uma bicicleta, minha mãe vendeu a única que tinha.

Escuto os dropes de Rockstar aumentarem a medida que me aproximava, havia finalmente chegado. Aimée não estava sentada na calçada ou bancos externos, respiro fundo quando percebi que teria de entrar na festa e procurá-la. Não queria nem imaginar o que poderia estar acontecendo com ela depois da nossa ligação rápida.

Procuro a loira dentre aquele acúmulo absurdo de pessoas. Cozinha, banheiros, quintal dos fundos. Nada. Estava ficando apavorada, subo para o segundo andar chamando Aimée em gritos sussurrados, não queria que Billie sonhasse que tinha estado em sua casa.

Quando ia vasculhar o último corredor, logo volto, Billie estava lá. Com um dos seus amigos, estava sendo prensada contra a parede, parecia alterada mas era o estágio de felicidade, aquele que te torna um bobo da corte que as pessoas fazem o que querem e você dá risada.

— Brandon, qual é bro? Hoje não 'tá legal? Não 'tô afim de fazer nada. — Recusa sorrindo.

— Não existe: "Não 'tô afim" 'pra você Eilish. Cadê aquela safada que nunca estava satisfeita? — Insiste a empurrando na parede mais um vez.

Se tivesse algo no estômago vomitaria.

— Não quero. — Diz firme.

— Não sugeri que transe comigo, estou mandando Eilish. Agora de joelhos. — Fala autoritário e engulo em seco.

— Brandon, por favor, nunca te recusei. Amanhã, tudo bem? Só não faz isso comigo, por favor. — Implora desesperada.

— De joelhos. — Fala entre os dentes.

— Por favor. — Diz soluçando.

Era como se estivesse em um jogo, entre duas escolhas com consequências. Podia escolher sair andando e continuar procurando Aimée, como se não tivesse visto nada e deixar ele estuprar Eilish ou impedir isso como queria que minha mãe tivesse impedido anos atrás.

O fato é que não conseguiria deitar a cabeça no travesseiro sabendo que ela havia sido violada. Por mais durona que Billie aparentasse ser, ela iria ficar destruída. Era a primeira vez, ninguém implora tanto assim, depois de um tempo você só deixa que te corrompam mais e mais.

Billie Eilish olha o que me faz fazer por você.

Fecho os olhos por instantes lembrando daquela noite chuvosa, onde gritei desesperadamente o nome da minha mãe mas apenas a via observar o que faziam comigo sem mexer um músculo do corpo. Desde aquele dia sinto como se fosse enviada ao mundo para sofrer.

A raiva que estava controlada a muito tempo veio a tona. Viro o corredor e por visão periférica vejo Billie de joelhos, Brandon, ou seja lá qual for o seu nome, abria as calças.

Ando em passos largos e rápidos em direção a ele, quase duas vezes maior que eu. O empurro ninguém tinha notado minha presença até agora. Não o dou tempo de falar e o acerto dois socos seguidos do outro, um no rosto e outro no nariz aparentemente. O empurro de novo e ele cai, estava zonzo pelos socos no rosto.

Era um fraco. Quantos socos já levei na vida e nem sequer me permiti sentir dor.

Era homem para obrigar uma garota a se ajoelhar para ele mas não aguentava dois socos.

— PORRA GAROTA! VOCÊ É MALUCA? — Grita comigo.

— VOCÊ É UM COVARDE! — O acerto um chute. — SE ACHA O MACHÃO POR OBRIGAR ELA A FAZER O QUE QUISER, MAS NÃO AGUENTA UM SOCO, VOCÊ É UMA PIADA. — Explodo e o acerto outro chute.

Paro quando percebo que o sangue que pingava no chão era meu, minha mão latejava forte. Sentia o sangue pulsar antes de finalmente sair pelos machucados, tenho sérios problemas com sangue desde que fui obrigada a sangrar, fazendo coisas de adultos, com doze anos.

Saio andando perdida e até meio tonta. Aimée não estava lá, tinha que achá-la mas não me aguentava em minhas pernas. A adrenalina havia sido despejada em meu corpo muito intensamente e caiu inteira de uma vez só, sentia como se fosse desmaiar.

Esbarro com muitas pessoas no andar de baixo antes de finalmente sair pela porta de entrada sentindo o ar frio da madrugada me abraçar.

Alguém tinha que abraçar não é?

Ando cambaleando pela rua até não aguentar mais meu peso e me jogar em um gramado de uma casa aleatória, pelo menos os donos não saberiam que estive por lá, as luzes estavam apagas indicando que já estavam na cama.

Puxo o ar com força implorando para não ter uma crise de ansiedade, lembrar daquela noite não me traz uma das melhores sensações. Lembrei daquele dia para defender Billie, mas estava me enganando, estava defendendo a mim mesma. Se fosse uma pessoa normal, sem traumas, talvez deixasse que acontecesse. Eilish sempre foi rude e me tratou como uma estúpida diversas vezes nessas últimas semanas. Talvez não merecesse minha pena, ou, talvez merecesse por ser tão medíocre.

Meu celular toca e atendo com a mão não machucada.

— Gwen? Cadê você? Te liguei tantas vezes. — Indaga Aimée desesperada.

— ONDE VOCÊ 'TÁ? TE PROCUREI NAQUELA MALDITA FESTA! — Grito cansada.

— Lojinha vinte e quatro horas, na esquina. Mandei mensagens avisando mas você não visualizou. Me desculpa. — Pede.

— 'Tá, 'tá. Me espera 'tô indo aí. — Falo baixo e desligo.

Me forço a levantar e dou volta andando até a esquina. Entro na mercearia e encontro Aimée arrumada conversando com o atendente.

— Gwen, finalmente. — Anda em minha direção. — O que houve com a sua mão?! — Pergunta assustada.

— Seguinte Aimée, acho que já tivemos encrencas demais essa noite. Não fala nada, não pergunta nada. Quero apenas o silêncio até te deixar em casa, certo? — Falo rude e a mesma só concorda com a cabeça.

Só se ouvia o eco dos nossos passos no asfalto molhado pelo sereno.

College • Billie Eilish Onde histórias criam vida. Descubra agora