Não posso mais ficar

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Alice começou a chamar pelo pai.
- o que houve Duda? – ele perguntou me olhando muito bravo e eu senti medo nesse momento.
- ela só quer um colo conhecido para dormir, esta com sono... – falei e ele pegou a menina que estendia os braços pra ele. Seu choro diminuiu imediatamente.
- você é louca de gritar com a Duda? – ele perguntou. – qual o seu problema, Bianca?
- você nem sabe o que estava acontecendo! A filha é minha e eu estou tentando cuidar dela, posso? – falou raivosa. – essa louca que não sabe me respeitar, acha que é mãe da minha filha. – abaixei o olhar quieta. Realmente, a filha era dela, não minha.
- não mente! A babá eletrônica estava lá em baixo. Tanto eu quanto Joana ouvimos tudo. Inclusive você chamando Duda de imunda! Quem você pensa que é? – seu tom aumentou na ultima frase. Alice ameaçou chorar. – toma Duda, preciso ter uma conversa com a Bianca. – disse me entregando Alice. Eu desci com a menina, me sentindo mal por tudo aquilo. Se eu não tivesse me metido...

Desliguei a babá eletrônica. Eu não precisava ouvir mais uma briga terminada em sexo deles. Fiquei com a pequena no meu quarto.

Quis chorar. O Luan era muito importante pra mim desde que eu tinha o conhecido alguns anos atrás. Mas eu não sabia se valia a pena aturar sua mulher. Ele dependia de mim pra cuidar da Alice, mas não era justo eu ter que passar por aquilo. Eu sentia dó de Alice por ter uma mãe que não a queria. Que quis abortá-la, mas que os pais descobriram antes que ela pudesse fazer. Alice era adorável demais. Calma, quieta, carinhosa. Além de não ter puxado traços físicos da mãe, também não puxou a personalidade. Porque ela era um anjo.

Alice dormiu na minha cama. Afastei-me dela aos poucos e quando levantei, fui dar uma breve ajeitada no meu quarto. Arrumar me ajudava a pensar.

Meu quarto era ótimo, eu não tinha do que reclamar. Apesar de ser no primeiro andar da casa e bem nos fundos, assim como o de Joana e de outros funcionários, era ótimo. Tinha ainda alguns privilégios. Cama king size, smartTV de LED, e uma decoração do meu jeito. Tudo rosa, que era minha cor favorita.

Depois de arrumar tudo o que pude, sentei-me na cama. Liguei a televisão e fiquei trocando de canal a procura de algo que me distraísse. Vi Luan aparecer na porta, que estava aberta, e dar duas batidinhas leves.
- posso? – eu assenti e ele entrou e se sentou na minha frente. – desculpa por aquilo, ta? – não respondi nada. – ela não vai mais te tratar daquele jeito.
- vai sim, Luan. Essa é a Bianca. Ela nunca gostou de mim e nunca vai gostar. – falei tirando os olhos da televisão e olhando nos olhos dele.
- Duda...
- e ela tem razão, a filha é dela. – ele balançou a cabeça negativamente.
- não fala assim.
- eu já fiz o que eu tinha que fazer, agora eu tenho é que deixar ela cuidar da filha dela.
- por favor, Duda.
- não posso mais ficar. – eu ignorava o que ele dizia e continuava com o discurso que eu tinha preparado na minha mente enquanto arrumava meu quarto. – ela já está bem, e se eu ficar só vou atrapalhar.
- não posso te deixar ir.
- por que não?
- a gente precisa de você. – neguei com o rosto e desviei o olhar. Meus olhos já enchiam de lagrimas. Estava farta de ver o homem da minha vida com outra. De ver suas brigas e suas reconciliações. De agüentar as humilhações. De chorar sonhando com a vida que não terei. – só um mês, então. Só esse mês. Por favor? – olhei pra ele e seus olhos pareciam tão cheios quanto os meus. Como podia eu dizer não pra ele me pedindo daquela forma? – Eu juro que tudo vai mudar! E você vai querer ficar...
- e como você acha que vai fazer as coisas mudarem?
- eu não sei, mas eu vou dar um jeito. Eu prometo!
- só um mês, nada mais. – falei convicta. Ele sorriu fraco. Pegou minha mão e a alisou por uns instantes. Levantou-se, beijou minha testa e saiu.

Mais tarde, Bianca apareceu mais uma vez com uma roupa dele. Cheia de frases com duplos sentidos. Pensei comigo mesma que esse mês seria decisivo: eu ficaria de vez na vida do Luan ou eu sumiria pra sempre. Eu queria voltar a ser feliz como fui um dia. Eu amo a Alice, mas não sou feliz sendo humilhada por Bianca todos os dias da minha vida.

Quando Alice acordou, dei de comer a ela e saí. Fomos ao parque dar uma volta. Ela correu, brincou e interagiu com outras crianças. O privilegio que ela tinha de morar num bairro nobre era esse: havia bons lugares para ir pertinho de casa, cheio de outras crianças para brincar. Quase sempre as outras também estavam acompanhadas de suas respectivas babás. Aparentemente pais ricos não têm muito tempo para os filhos.

Minha mãe me ligou. Me ligava todos os dias para saber como eu estava. E eu disse que iria vê-la no dia seguinte se Luan deixasse. Afinal eu ainda trabalhava para ele.

Quando voltamos, Joana pediu minha ajuda com o jantar. Então coloquei Alice na cadeirinha e fui ajudá-la. Luan estava no sofá com Bianca e de lá não saiu até que a comida ficasse pronta. Eles estavam melhores do que nunca.

Jantei com Joana. Mesmo que Luan tivesse insistido para nos juntarmos a ele a sua mulher, nós fomos para a nossa mesa mesmo. Na cozinha. Longe da sala de jantar.
- eles estão bem, né? – Joana disse. Eu comia e dava comida na boca de Alice.
- é. Acho que se resolveram de vez.
- quando será que ela vai aceitar a menina? Já passou da hora né?
- e como passou. Ela perdeu a melhor fase da vida de um filho. – eu não tinha tido filho. Mas cuidar da Alice desde seu nascimento foi uma experiência única. Eu queria muito ter um filho no futuro, que fosse mesmo meu.
- se bem que Alice teve muita sorte, mil vezes você cuidando dela do que a patroa. – ri. – ela não leva o menor jeito.
- não leva mesmo, você tinha que ver como ela estava segurando a Alice hoje.
- Aice! – Alice repetiu seu nome e nós rimos.
- fala Joana, meu amor!
- Oana! – rimos surpresas. – Tuda, Aice quer comida! – falou pausadamente pedindo comida e eu a obedeci rindo.

Mais tarde a coloquei no berço e fiquei com ela até que dormisse. E acabei pegando no sono ali mesmo.

Mesmo sem estarOnde histórias criam vida. Descubra agora