Você nunca mais ouviu falar dele?

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[...]

- Mas mamãe, você nunca mais ouviu falar dele? - Nicole me perguntou.

Eu tinha acabado de narrar toda minha história com Luan para ela. Ela tinha 10 anos e toda noite eu contava um capítulo da minha história com seu pai antes dela dormir. Vez ou outra minha mãe se juntava a nós pra me ouvir falar dele também.
Claro que eu tinha excluido um detalhe ou outro. Por exemplo, o verdadeiro nome dele. Ou qualquer detalhe que uma criança da sua idade não precisasse saber.

- Eu ouvi sim, seu pai é um cantor famoso, é inevitável.
- Mãe, por favor, me fala quem ele é!
- Não senhora, vai dormir. - eu a cobri e beijei sua testa. - Paçoca, você também! - falei com o nosso cachorro que correu pra sua cama. Era um golden adestrado que apesar de muito hiperativo, sempre nos obedecia.

Apaguei a luz e fechei a porta indo pra cozinha. Peguei um vinho que já estava aberto na geladeira e servi um pouco na taça, indo pro sofá.
- você não acha que atiça mais ainda a curiosidade dela em relação ao pai? - minha mãe perguntou vindo se sentar comigo.
- Ah, ela é muito esperta pra idade. Ela gosta de saber.

Nicole Narrando

Esperei minha mãe sair e apagar a luz. Eu precisava saber quem era meu pai. O dia do festival aqui no meu estado estava chegando. E eu precisava ir.

Eles tinham nomeado de Buteco do Tempo. Em homenagem aos anos 2020-2022. Pelo que eu tinha entendido, na época era comum os cantores sertanejo chamarem seus shows de buteco, decorar como se fosse um e ainda beber durante o show. Considerando que eu tinha nascido em 2022, eu imaginei que meu pai pudesse estar lá entre eles.

Tudo que eu sabia sobre ele, era o que ela contava nas histórias. Os detalhes que eu achava importante, eu anotava numa agenda assim que ela saía.

* Ele tem outra filha. Deve ter uns 13 anos hoje.
* Viajava muito fazendo shows. Então era bem famoso na época.
* Carreira solo.
* Cantor de sertanejo.

Bom, eu não sabia muitas coisas. Ela disse que inventou os nomes então eu não podia considerar. Mas só pelo que eu sabia, ele tinha que estar nesse festival.

Peguei meus óculos e o notebook e sentei na cama para fazer minhas pesquisas.

Olhei o endereço do festival. Eu precisaria de dois ônibus até lá. Os shows durariam dois dias. Listei o nome de todos os cantores homens dos dois dias. Eu não iria conseguir fugir de casa por dois dias, minha mãe me acharia. Eu tinha que tentar um dia só e ir na sorte.

Alguns dos nomes ali eu já tinha pesquisado e desconsiderado. Por exemplo, Murilo Huff. Aparentemente ele não era casado na época. E seu filho era um menino... será que minha mãe trocaria o sexo na história pra não me dar tantos detalhes? Droga.

Fiquei encarando os nomes e pensando qual dia eu podia tentar...

Dia 1: Gusttavo Lima, Bruno e Marrone, Zé Felipe, Lucas Lucco...

Dia 2: Thiago Brava, Murilo Huff, Matheus e Kauan, Jorge e Matheus, Michel Teló, Gustavo Mioto...

Eu fui pesquisando nome por nome e separando os que tinham filhas pouco mais velhas que eu. O dia que mais compensava era o primeiro onde 3 cantores de carreira solo tinham. Gusttavo Lima, Zé Felipe e Lucas Lucco.

Algo me dizia que Zé Felipe tinha grande potencial... Maria Alice, era um nome muito bonito para uma irmã. E Zé parecia nome de pai mesmo. A idade batia, eu achava.

O show seria sábado e começava 15h. Minha mãe saía pra trabalhar as 8h e voltava as 15h. Minha vó faz feira todo sábado e costuma voltar as 13h.

Meu plano era fazer uma carta pra minha avó e dizer que tinha ido no escritório da mamãe, que não era longe de casa. Quando mamãe chegasse, elas notariam que eu não estava com nenhuma delas e me procurariam. Até aí eu espero já ter encontrado meu pai.

Minha vó não gosta de mexer com cartão então ela guarda o dinheiro em notas em uma caixinha no guarda-roupas. Eu não sei bem quanto tem mas espero que o suficiente.

Bom, já estava tudo planejado. Eu só precisava esperar sábado chegar...

[...]

Arrumei minha mochila durante a madrugada. Minha agenda, caneta, uns mapas impressos, uma carta assinada (por mim, fingindo que era minha mãe) que dizia que eu podia viajar sozinha... Pra comer: um lanche de queijo, um refrigerante, um biscoito... uns docinhos e uma água. Pra paçoca: uns pacotes de carne pra cachorro, uns petiscos e um pote pra ela beber água. Coloquei a mochila embaixo da cama e dormi.
Acordei com a minha avó me chamando...
- tô indo pra feira, Nick. Quer ir? - eu neguei. Ela beijou meu rosto e saiu. Esperei alguns minutos e levantei. Olhei nos cômodos se tinha alguém em casa e não tinha. Fui no quarto da vovó e peguei a grana no guarda-roupa. Me vesti e saí com o Paçoca.
- Bom dia, Nicolinha. - o porteiro do prédio falou não me deixando passar. - Vai pra onde sozinha? Hoje não tem escola.
- Eu vou no escritório da mamãe. - sorri tentando ser convincente.
- Ok, cuidado! - ele me deu espaço e eu saí.

Fui então pro ponto de ônibus, esperar por um que me levaria até a capital do estado. Eu tinha anotado o nome no caderno. E também imprimi o caminho que ele iria fazer pra eu saber onde descer. É, eu ainda não tinha um celular pra olhar isso. Minha mãe dizia que eu era nova demais.

Nas duas primeiras tentativas de entrar num ônibus, me botaram pra fora por causa do Paçoca. Mas na terceira, o motorista se quer viu ele entrando.

O moço que veio cobrar minha passagem disse que eu teria que pagar pelo assento que o Paçoca ocupava. E assim eu fiz o primeiro pagamento da minha vida. Depois que ele me deu o troco e saiu, eu me senti muito adulta.

Um tempo depois chegou na parada onde eu desceria. Eu ainda tinha que pegar mais um ônibus.

Quando cheguei no destino final, levei um baita susto. Tinha muita gente. Eu não sabia que tantas pessoas estariam ali esperando pra entrar. Eu ainda tinha que comprar uma entrada.

Por um momento, tive que sentar. Estava cansada de andar e não encontrar o lugar que vendia ingressos. E cada vez mais eu me afastava da multidão de pessoas. Mas algum tempo depois eu encontrei. Ou achei que tinha encontrado...

Mesmo sem estarOnde histórias criam vida. Descubra agora