capítulo 38

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— Olhe para o chão, mas mantenha a cabeça levantada e olhando para frente.

Jess, a britânica ruiva de sua primeira visita ao Four Seasons, estava a guiando com paciência em sua primeira sessão de maquiagem profissional.

Camila se recostou numa das cadeiras da mesa de jantar de Lawrence. As luzes do teto lhe estavam dando calor.

— Isto não é muita maquiagem? — perguntou, tentando falar enquanto mantinha a cabeça quieta.

Jess aplicou nos olhos o que lhe pareceu que era a terceira capa de sombra.

— Confia em mim, não é. Sei que Lawrence trabalha muito em branco e preto, assim precisa de mais contraste. Pode ser que pareça exagerado quando te olhar no espelho, mas para as fotos será perfeito.

Lawrence estava ocupado preparando tudo no salão, movendo móveis.

— Farei algumas fotos lá fora — informou para Jess. Tudo aquilo era novo para Camila.

— Com qual as fará? Com a Mark II?

Ele resmungou algo que pareceu uma resposta afirmativa.

— Cabeça quieta — repreendeu-a Jess.

Naquela postura, Camila tinha diante dos olhos os seios da mulher, que saiam da fina camiseta cinza dos Rolling Stones. Perguntou-se com que frequência teria trabalhado Lawrence com ela e se o teriam feito muito estreitamente. Odiou-se a si mesma por sentir ciúmes e porque sua mente automaticamente acabasse sempre aí. Perguntou-se quando se sentiria segura, se é que chegava a sentir-se assim alguma vez.

Jess olhou a variedade de pincéis, potes, pós, curvex, rímel, lápis, pinças e estojos de pós compactos pulverizados sobre a mesa de jantar.

— Quase lá — anunciou, escolhendo e descartando vários batons para os lábios.

Lawrence se aproximou para avaliar os resultados. Camila se sentia tão pintada e com as sobrancelhas tão depiladas que temeu ver sua reação com a transformação. Mas sua expressão admirada acabou com todas suas dúvidas.

— Jess, sempre posso contar contigo para que opere a sua magia— exclamou. — E quanto a você — aproximou-se e apoiou a mão no cabelo; Camila levantou o olhar e a encantada adoração que viu nos seus olhos fez que o coração desse um salto, — está verdadeiramente bela.

***

Camila posava sobre o terraço do edifício de Lawrence, sob o cintilante manto das estrelas do verão, com o rio Hudson fluindo a suas costas, prateado à luz da lua.

O chicote já lhe pesava nas mãos.

— Me olhe, mas ponha o corpo de lado — indicou-lhe Lawrence.

— Tenta colocar o chicote atrás da cabeça. Segura a pega com uma mão e o extremo com a outra.

Camila fez o que sugeria. A essas alturas, depois de horas de sessão fotográfica, já sabia como obedecer suas instruções e acrescentar também algo mais. Embora sua indicação mais importante tinha dado o começo do processo. Lembrou-lhe que as melhores modelos eram as que desfrutavam do que estavam fazendo nesse momento, as que não o faziam pelo dinheiro ou pela experiência artística, mas sim pela felicidade que sentiam nessas trocas entre a câmara e elas.

— Se pode sentir essa felicidade — disse-lhe, — teremos encontrado ouro.

Deixou cair o peso num quadril e sorriu como se estivesse a ponto de fazer algo extremamente perverso. Era um sorriso que se refletiu também em seus olhos, disso estava segura.

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