Symon
Acabamos por ser persuadidos a permanecer na cidade até o dia seguinte, assim dando a Adélia pelo menos um tempinho para se recuperar do ferimento, mas quem disse que eu a encontrei assim que acordei no dia seguinte.
Como eu estava dividindo um quarto com Gabry e Mathew, acordei assim que Gabry começou a cantar no chuveiro. Sério! Ninguém merece, ele é um desastre cantando.
Mathew por sorte já havia levantado então foi poupado da tortura e não foi o único, todos já haviam levantado e estavam tomando café. Exceto a minha melhor amiga que não se encontrava em lugar nenhum.
Por algum estranho motivo, eu a sentia, mesmo não a encontrando em lugar nenhum, estava ventando muito naquele dia.
Acabei por resolver me juntar a Gertrudes que se encontrava na janela olhando algo em reprovação.
- O que foi? - pergunto já curioso
- Sua amiga é teimosa, não deveria usar magia por um bom tempo, mas está treinando.
Não havia entendido, até resolver olhar na mesma direção que ela e o que vi me chocou, Adélia estava no meio do lago em meio a uma forte corrente de vento. Estava explicado agora a minha sensação.
Como se lendo minha mente, Gertrudes me guia pelo corredor e pela pequena horta dela até uma plantação de plantas trepadeiras.
- Vocês são muito próximos. - ela diz do nada me tirando dos meus devaneios
- O que? - pergunto confuso
- Você e Adélia, tem algo além do que realmente tentam admitir. - ela diz e finalmente tenho certeza de que lado da família vem o lado enxerido dos irmãos
- Somos como irmãos, só temos um ao outro, afinal de contas.
- Não é isso que eu estou falando. - ela diz balançando a cabeça em descrença
Não entendi sua reação, foi estranha. Quando eu ia perguntar o que ela estava insinuando, sou interrompido pela sua pergunta: "Se queríamos ficar a sós".
Dessa vez nem precisei pensar, já respondi que sim. Tinha coisas que eu tinha que perguntar somente a ela e essa era uma ótima oportunidade.
Antes mesmo de ter respondido a vejo chegar perto de uma das trepadeiras, revelando um cipó fino mas bem resistente, perfeito para se descer sem magia.
Já ia lhe agradecer quando me lembro de algo que se passou ontem e que não passou despercebido por mim.
- Posso te fazer uma pergunta? - digo sem encara-la
- Claro! - ela responde ao que parece contente
- Porque você hesitou ontem, quando estava tentando salvar Adélia? Tem medo de curar? Porque é curandeira então? - pergunto me virando para encara-la demonstrando todo o meu desgosto
- Não, eu não tenho medo de curar pessoas e eu fiz um juramento como Natural e como curandeira, sempre salvar o máximo de vidas que puder. - a senhora diz resoluta
- Então por que?
- Eu tinha medo de matá-la, não ia suportar se acontecesse de novo.
- De novo? - pergunto surpreso- "Maledicite terrae mortis"¹ é isso que está na sua amiga e isso que me fez matar alguém, meu marido.
Não respondo, só fico de olhos arregalados encarando-a.
Sim, eu vi ontem como tudo que ela fazia só piorava a situação e não era por falta de habilidades, a maldição que era forte demais.
Imaginar agora uma versão mais nova dessa senhora tentando salvar o marido da maldição e vendo o morrer na sua frente, em seus braços provavelmente... Não era à toa que ela hesitava tanto ontem, ela estava com medo de matá-la ao invés de ajudar.
- Mas não se preocupe, deu tudo certo no final, certo? - ela diz com um sorriso forçado
- Energia vital.
- Como? - ela pergunta confusa
- Foi isso que a dragoa usou para salvar Adélia temporariamente da maldição. Ela usou minha energia vital como um cadeado e um remédio - digo vendo-a arregalar os olhos
- Tem certeza?
- Sim, eu estava lá conscientemente em cada processo, ela me disse que o processo requer que o doador da energia esteja consciente e que colabore durante todo o processo. Quanto ao seu segredo, não se preocupe não irei contar para os seus netos, não é o meu segredo para fazê-lo. Espero que perca seu medo e possa ajudar outros amaldiçoados, muito obrigado por tudo. - digo me virando para o cipó
Pulo nele, deslizando para baixo, mas como era a primeira vez que fazia isso... acabei calculando mal a velocidade e tive um baita de um encontrão com o chão.
Doeu à beça, mas mesmo assim me levantei tirando terra das roupas e andei em direção ao lago.
Adélia realmente estava em pé no meio do lago, vários tipos de vento a circundavam enquanto ela fazia gestos complicado com as mãos como se estivesse comandando os ventos através deles.
Ela estava concentradíssima, mas mesmo assim eu a chamo. Ela surpresa e pega desprevenida, se vira perdendo completamente o equilíbrio e cai na água.
Fiquei sem reação, o que eu havia feito? Mas minha preocupação foi em vão, já que ela emerge minutos depois na minha frente e para minha completa surpresa, seca. Quer dizer ensopada de suor e só.
Ela se senta na grama rala à beira do lago e eu me sento ao seu lado, estamos o admirando em silêncio. Só então a noto esfregando compulsivamente a atadura e me sinto um lixo.
- Está doendo?
- Não, só incomoda um pouco quando uso magia. Não consigo nem fazer uma corrente de ar descente - suspira indignada
- Desculpe, se eu estivesse sido mais atento... Você não estaria assim. - digo me sentindo culpado
- Deixa disso, Symon! Não é culpa sua e eu te salvei porque quis! - ela grita indignada com o que falei
A encaro sem reação, sentia meu coração bater mais rápido. Já devia minha vida a ela de novo e eu era grato por isso. Não queria que ela fosse embora assim tão fácil e não iria deixar, ficar sem ela por perto era doloroso e sem sentido por algum motivo.
- Symon! - ela diz estalando os dedos na minha frente
- Uh... o que?
- O que você tem? Estou falando com você a vinte minutos e você não me responde.
- Eh... nada! E por falar em vinte minutos, como você fez aquele vento? Pensei que só conseguia usar a magia celeste e do fogo.
- Não, vento foi a primeira que eu aprendi e foi a primeira que eu recebi. Da Friga! - ela diz animada, distante e alheia a minha confusão
Precisei respirar fundo e ligar cada coisa que ela falava animada para entender, que Friga era a dragoa guardiã de Vensis e que praticamente criou Adélia nesses 9 anos, era praticamente a segunda mãe dela.
Logo após ela finalmente dar um tempo para respirar, começa a me encarar corada, só agora notando que eu a havia encarado o tempo todo em que falava.
Deve ter passado muito tempo que ficamos assim, porque logo ouvimos o som do tronco se abrindo atrás de nós.
Jenna, Gabry e Mathew atravessavam a abertura excitados pela viagem, uma coruja de penugem marrom , uma coruja das torres provavelmente, repousava na cabeça do garotinho.
Eles só param de falar quando finalmente nos notam e ficam nos avaliando, tentando adivinhar o que estávamos conversando. Mas passado um tempo, eles desistem e Gabry me joga minha mochila, estava consideravelmente mais pesada e só precisou de uma olhada confusa minha para me explicarem que nos deram mais suprimentos. Claro que tudo ia para mim e Gabry, já que Mathew era uma criança, Adélia nem mochila tinha e estava ferida e Jenna já estava com a mochila lotada de frascos de vidros e plantas, então nem pensar. Só se quiséssemos andar por aí com uma bomba relógio, Gertrudes explicará para eles.
Suspirando frustrado me levanto e só então lembro que nem eu ou Adélia havíamos tomado café da manhã.
Quando me dou conta, estão os três discutindo sobre onde ir: Mathew diz que logicamente seria Anima e Jenna diz ser Wism o próximo destino, já Gabry montava algo com uma rapidez impressionante. E eu acabei me juntando a discussão dizendo que deveríamos ir para Elsin, para quebrar a maldição.
- Nem um e nem outro! Vamos para Cascata e ponto final! - Adélia grita
Ficamos em silêncio a encarando.
- Foi a própria Esmeralda que sugeriu, ela disse que Safira precisa me treinar. Só lembrei disso agora. - ela diz cansada
- Treinar?! Enlouqueceu, é? Você deveria quebrar a maldição primeiro! Está querendo morrer é? - grito irritado
- Não! Eu não quero morrer, Symon! Mas foi ela que disse! Disse que eu deveria aprender a dominar as chaves direito enfatizando que isso só poderia acontecer se eu fosse para Elsin ou Cascata!
- Então! Elsin é mais viável!
- Não é, deixa de ser cabeça dura! Ela falou de um jeito que disse explicitamente que eu deveria ir para Cascata! - ela grita dando um ponto final a gritaria
Realmente me surpreendi, essa foi a primeira vez em tanto tempo que ela ganhava uma discussão. Estávamos ambos cansados e sem fôlego de tanto gritar, mas acabamos rindo juntos das nossas atitudes.
Quando voltamos a encarar nossos amigos, os vemos um tanto surpresos, apreensivos e... presunçosos? O que eles estavam pensando?
Eu não sabia e claramente nunca ia saber, nesse momento Adélia começou a caminhar nos guiando floresta adentro, de acordo com ela ficaríamos nessa caminhada até chegarmos ao Rio da Tormenta e a partir dele chegaríamos as proximidades de Cascata.
Quando foi questionada por Jenna de como ela sabia disso, ela simplesmente disse que já foi para vários lugares com o diretor e com Friga.
Somente Mathew entendeu que se tratava da Dragoa Guardiã de Vensis e começou falar entusiasticamente tudo o que sabia sobre.
Conforme ele falava, mais eu notava o quanto Adélia esfregava as atadura com mais frequência e comecei a desconfiar que a maldição estivesse voltando a atacar, mas antes que eu pudesse para-la para comprovar minhas suposições, chegamos ao rio.
Fiquei alarmado, estávamos em uma área um tanto elevada, mas ao olhar para o rio o vejo subindo o morrinho e a correnteza era tão violenta que nem os próprios jacarés conseguiam combate-la, eram arrastados por ela.
- Symon, Gabry! Me ajudem aqui! - Adélia grita próximo às raízes de uma grande arvore que não consegui identificar.
Nós nos aproximamos e o que vemos é um barquinho de madeira rústica daqueles a remo, só que esse era mais reforçado.
- Nem pensar! Seria suicídio navegar nesse rio, olha aqueles jacarés! Eles estão sendo carregados! - Gabry protesta
- Da para confiar em mim, Gabry! Há um meio de navegação, eu já fiz isso várias vezes. Por isso, estamos aqui. - ela diz com um sorriso irônico
Gabry desiste de discutir e ajuda, mas assim que ela disse para virarmos o barquinho na direção contrária à correnteza, ele voltou a protestar. Adélia repetiu o mesmo discurso e ele desistiu novamente.
Ela nos contou que aquele barquinho tinha basicamente 8 anos de uso naquele rio, foi feito por ela e um elfo e que eles sempre navegaram por aquele rio. Por pura coincidência, o último local de uso do barco foi ali.
Quando todos entraram no barquinho um pouco receosos, ela fecha os olhos e inspira, com os braços retraídos para trás. Logo que ela abre os olhos, expira empurrando os braços e o barquinho é empurrado para a água por um vento forte.
Imediatamente começamos a seguir contra o curso do rio, morro acima.
Adélia corre dentro do barco e começa a montar uma vela um tanto estranha em uma velocidade impressionante. A base e o suporte da vela eram da mesma madeira e método do barquinho, só que em forma de pena e ao invés de lona ou tecido... usavam nada!
- Teia de aranha tecedeira e tecido de ovelha invisível, o tecido mais forte e flexível do reino. - ela diz sem parar o que estava fazendo nem por um segundo
Quando estávamos prestes a subir outro morro a uma velocidade assustadora, ela joga a vela, automaticamente prendendo - a no seu pedestal e corre para o fundo barco.
Quando chega, começa a mexer seus braços de forma graciosa e complexa, igual ao que fazia no lago. O verde de seus olhos brilhavam intensamente como se fossem feitos de um verde prateado.
O barco dá um solavanco com tudo, mas conforme ela foi mexendo os braços e murmurando algo, o barquinho começou a ir contra a correnteza, seguindo o curso que queríamos.
Realmente os jacarés estavam sendo carregados contra a correnteza e Mathew como que para aliviar o sofrimento deles, os expulsava do rio com um feitiço.
Por vezes, observava como os movimentos de Adélia começavam a ficar pesados, como ela suava mais e como ela vacilava em algumas palavras.
Ela era a única de pé no barco balouçante e por vezes a via quase perder o equilíbrio. Minha vontade era faze-la parar naquele momento e deixa-la descansar, mas desistia na hora vendo seu olhar determinado e em brasas. Além do que, ela era única que conseguia manobrar essa coisa.
Quando finalmente atracamos já era de noite, então finalmente ela foi descansar e eu fiquei mais tranquilo. Se pudesse, eu repetiria o processo para atrasar o envenenamento de novo, mas como sou um simples humano sem nenhuma utilidade para magia, só podia ficar olhando-a se destruir sozinha e isso fazia me sentir mais lixo ainda.
Acabei por adormecer com esses pensamentos sombrios e sem me dar conta, já era de manhã, Adélia é quem me acorda o mais silenciosamente possível. Algo estava errado.
A segui quando ela gesticula para fazê-lo, éramos os únicos acordados.
Nos espreitam pela floresta o mais silenciosamente que conseguíamos e nos surpreendemos quando do nada um homem aparece andando com a arma em postos, por pura sorte não na nossa frente.
- Era um guarda de Cascata, estava fazendo ronda. Estamos perto, vamos. - ela diz após ele sumir de vista
Saímos correndo de lá e acordamos os outros apressadamente sem se importar com seus xingamentos e começamos a caminhar em um ritmo mais apressado depois de escondermos o barco.
Em dado momento, paramos para descansar novamente e agradecemos por isso.
Pelo canto do olho via o como Adélia não parava de mexer nas ataduras e isso me incomodava.
Ela franzi-a o cenho constantemente enquanto olhava algo em seu livro e quando lhe questionei o que era, simplesmente disse que haviam aparecido feitiços novos em seu livro. Eu não via nada, é claro, mas não ia lembra-la disso.
De repente, sinto cheiro de fumaça e vejo o início de um foco de incêndio ao seu lado, o que a faz recuar imediatamente, por pouco não me derrubando junto.
Passado a comoção, ela profere um pequeno tornado no rio e o desfaz em cima do foguinho, eu não precisava ser um gênio para saber que ela estava frustrada com a própria situação e eu também estava por não poder fazer nada outra vez.
Começamos a andar novamente depois daquilo, a última coisa que queríamos era chamar a atenção dos guardas.
Conforme andávamos, mais eu notava o quanto Adélia ficava para trás e empalidecia, parecia mais lenta e pesada até. Meu cérebro já estava apitando um alarme e como eu suspeitava, ela capengou de novo, mas dessa vez ela ia desmaiar mesmo. Então corro e a pego antes que caia no chão, ela estava fervendo!
- Gente! Vamos parar, agora! - digo alarmado
- Mas... Já estamos tão perto, Symon! - Mathew choraminga sem se virar
- Não, temos que parar agora! - digo mais urgentemente
Demorou, mas como se Gabry desconfiasse de algo, ele se vira e arregala os olhos, correndo imediatamente em minha direção.
Jenna também alarmada começa a desenrolar as ataduras e Mathew começou a fazer escudos ao nosso redor.
Fiquei alarmado com o estado dela, assim que as ataduras saíram vimos os aranhões enormes já e as veias negras já cobriam um pouco mais da área onde as ataduras se encontravam.
- Por que você não me ouviu, sua teimosa. - murmuro mais para mim mesmo do que para os outros............................
¹Literalmente Maldição da morte, é caracterizada pelo envenenamento fatal. Este é composto por um veneno letal que consome a magia do corpo. E como falado mais vezes nessas aventuras, magia faz parte da vida de Anemida, seria quase considerado a energia vital dos seres viventes, mas completamente diferente dela. Todos a têm, mas nem todos conseguem usa-la, são esses usuários: dragões, elfos, magos, feiticeiros e claro os bruxos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Legado
FantasyEle teria uma vida considerada normal, apesar de ser rico e odiar isso, cercado de pessoas interesseiras. Nada seria anormal, além de pacato, os únicos verdadeiros eram seus amigos de verdade. Ela não tem nenhuma memória do passado, sua vida se base...