He's got so much in his heart

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Provavelmente não deveria tomar minhas experiências como verdades absolutas, aplicáveis a todas histórias mal resolvidas. Porém, estava certo de que, uma mulher, quando quer, é capaz de pisar no coração de um homem até vê-lo agonizando, e faz isso como se não significasse nada; como se tal homem não passasse de um inseto. Era assim que me sentia quando Sakura passava por mim e me desejava um bom dia indiferente, fingindo da forma mais dura e descarada que nunca ocorreu nada demais entre nós.

Eu a observava o tempo inteiro, cada oportunidade de vê-la era uma salvação para o meu desespero de acreditar que precisava dela. E nos dias em que ela me evitou por completo, alterando seus horários para não me encontrar em seu caminho, voltei para casa como se deixasse para trás uma grande parte de mim.

Muitas noites, pensei que toda agonia sofrida era só a forma mais agressiva da paixão, circulando por minha corrente sanguínea de forma desenfreada e se fazendo lembrar a cada suspiro; noutras, voltei a acreditar na minha primeira teoria de uma obsessão maluca… Só isso justificava meu estado de quase loucura, estava perdendo a razão e voltando aos meus antigos vícios.

Passaram-se duas semanas assim, em que ela me tratou pior que a um estranho, pior que um inseto; como se eu não passasse do infeliz segurança ex-detento, a quem lhe foi concedida a esperança de um bom emprego. Tudo bem, eu estava lidando com isso, estava mesmo; com a minha própria filosofia para encarar a vida, mas estava. Bastava-me vê-la de longe, por mais que só me direcionasse um olhar breve, que mais parecia de misericórdia. Afinal, se um dia pensei que poderia tê-la, estava delirando. Eu não era homem para Sakura, ela merecia coisa melhor. Suportei que pisasse em mim, da forma mais cruel que conseguia com seu descaso por meus sentimentos.

No entanto, tudo tem um limite. E todo apaixonado, por mais que se veja poeticamente atraído pelo sofrimento de seu amor platônico, uma hora vê-se obrigado a tentar escapar desse estado inerte de conformismo.

O meu limite foi vê-la chegar, numa quarta-feira, usando o anel de noivado. Meu peito apertou de tal forma, que não me restaram dúvidas sobre quão fodido estava. É um inferno gostar de alguém e não poder ter aquela pessoa. Quando pequeno, minha mãe me julgava um menino sensível, ela estava certa, por mais que o meu pai detestasse ouvir isso. Mas também nunca fui tão banana assim, não era como se caísse de amores por qualquer hippie que cruzava meu caminho. Essa tal sensibilidade, até então não era nas paixões. Estava me superando dessa vez. Quando vi o maldito anel no dedo de Sakura, senti-me o maior dos idiotas. 

Ela havia retomado o noivado. Casaria com seu falso príncipe encantado de olhos azuis e cabelo loiro. 

No momento, de tão enfurecido, minhas mãos tremeram, mesmo travadas em punho. Senti o sangue borbulhar e o coração vir à boca. Pelo menos, ela teve a decência de não me direcionar seu maldito bom dia, passou de cabeça baixa e não hesitou ao caminhar entre o jardim sem olhar para trás. Minha vontade foi de ir atrás dela e perguntar que porra era aquela. Dei algumas passos para alcançá-la, na verdade; mas o ímpeto de abordá-la só durou até minha consciência gritar que Sakura não era nada minha, ela não me devia explicações.

Ao mesmo tempo, essa consciência também não deixou de titubear e me fazer pensar que, embora não fosse da minha conta, deveria existir uma explicação. Tinha que haver. 

Sakura não podia realmente ser tão fria, eu não poderia estar tão enganado. Ela não era o tipo de garota que brincava assim com sentimentos. Por mais que tivesse dito que tudo não passou de atração sexual, seu estilo de vida não revelava uma mulher que gostava de noitadas e sexo sem compromisso. Talvez, eu tivesse sido só um cara para fazê-la esquecer rapidamente de uma mágoa provocada pelo noivo, para quem ela correu de volta tão logo a ferida cicatrizou; porém, minhas lembranças esperançosas logo trataram de trazer à tona que, naquela noite, em minha casa, ela voltou. 

WonderwallWhere stories live. Discover now