Capítulo Um – Pietro
Ibidem
Três semanas era tempo o suficiente para uma pessoa normal enlouquecer. No caso em questão, eu não era uma pessoa normal, tão pouco estava no meu melhor estado mental na primeira semana em que tudo voltou a acontecer. Os intervalos eram displicentes, antes de tudo vir à tona e se tornar tão insistente, meses sem ter que me preocupar em tentar desvendar mensagens subliminares e reconhecer a figura feminina recorrente que me assombrava a cada vez que eu decidia fechar meus malditos olhos.
Sonhar com mulheres não era um hábito meu, mesmo com as poucas que cruzaram a minha vida ao longo de vinte e oito anos, muito menos quando se dizia a respeito de estar na cama com uma. Não, a ideia não era bancar o puritano nessa altura da minha vida, muito menos fingir que eu não tinha desejos, mas sim entender o que estava acontecendo quase diariamente ao ponto de me deixar completamente desfocado em tudo o que fazia. No início, quase dez anos atrás, quando ela apareceu pela primeira vez, era apenas um vulto, uma presença em qualquer sonho psicodélico que minha mente arquitetava para mim. Até as situações mudarem e, pouco a pouco, sua clareza tornar-se mais evidente.
E me fazer perceber que não eram apenas sonhos. Eram presenças, sensações... Eram premonitórios, como minha mãe havia me ensinado quando criança em nossas aulas teóricas, como se soubesse muito bem o que eu iria passar (e talvez realmente soubesse, minha mãe era uma grande vidente e prever a própria morte era para poucos). E era quase sufocante perceber a intensidade com que eles cresciam e moldavam situações em mim, que me faziam acreditar que tudo aquilo estava acontecendo de verdade, que os sorrisos dela eram para mim e que nós dois estávamos correndo, fugindo de algo, ou em uma maldita cama fazendo aquelas coisas. As mãos gélidas me tocando, me puxando para si... Tudo evoluindo matematicamente para o meu fracasso espiritual e, pode-se dizer, até mesmo mágico.
Além da pele aveludada sobre a minha, tudo o que mais me parecia marcante sob meu olhar e minha memória era uma cor... Uma única tonalidade saltando em cada uma das cenas, quando eu me imergia na familiaridade de sua presença quase espectral.
Vermelho.
Não conseguia trilhar com precisão o que era representado por sua cor, embora conseguisse senti-la queimando dentro de mim quando tentava desvendá-la ou simplesmente me pegava lembrando de algum detalhe de uma noite de sono mal dormida qualquer. Ás vezes sua pele, ás vezes seus lábios... Ás vezes até mesmo quando a escutava falar palavras desconexas, ainda não tão claras a mim, eu visualizava a cor. E era uma dica quase de um mau gosto sem fim, se eu decidisse olhar a situação como deveria ver. No fim, a resposta era bastante clara, eu só precisava entender o porquê e tentar me livrar da sensação de cometer um pecado diário ininterrupto. Uma traição que sequer era consumida, mas fazia com que eu carregasse um peso desesperador em minhas costas.
Ficar parado diante de um maldito espelho do banheiro mal iluminado e sujo de bar não era o melhor lugar para me lembrar dos poucos fragmentos do sonho anterior. Meu reflexo não era um dos melhores: os óculos quadrados de lente espessa escondendo os olhos azuis e lilás vívidos (eu nem me atentava a esconder a anomalia mágica, tamanha a minha desatenção), o cabelo escuro bagunçado em um descaso que não se correlacionava com a camisa e calça sociais pretas que usava. O desgaste emocional e físico sendo desculpa esfarrapada de falsas noites de trabalho mal dormidas, quando, na verdade, além das caçadas noturnas e resgates engajados por meu pai, eu precisava lidar com fragmentos sensoriais de alguém que eu parecia conhecer muito bem.
E, dentre os mais de vinte e tantos dias martelando meus sonhos/pesadelos em minha cabeça, aquele em questão havia sido diferente. As mãos continuavam ali, espalmando meu peitoral, ao que o corpo bem delineado da mulher subia e descia sobre mim, fazendo-me agarrá-la pelo quadril e estimulando-a a mais, em um ritmo desenfreado que me assustava... Aquilo persistia, antes que eu sequer me deleitasse com o fim de toda a situação, até que eu acordasse e me visse sozinho em uma enorme cama no meu bem arrumado apartamento em Londres. E caísse na realidade em que eu era apenas um cara próximo dos trinta anos, tão solitário e solteiro quanto a quantidade de magia que brotava em mim, dia após dia. Tudo isso (inclusive a solidão) vindo como herança de meus ancestrais.
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Maleficium || Livro Um - Potentia
FantasíaNo início de tudo, não havia nada além dos humanos... Pequenas almas despreparadas, que pouco sabiam os misticismos de sua criação. Exaustos e entediados, os três grandes arquitetos celestiais deram origem ao início do conturbado Reino Mágico e toda...