CADÁVER

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Os dias passam e espero a identidade falsa ficar pronta. Meu novo nome vai ser Nicole, tenho 19 anos e vim de longe. Eles escolhem o nome no lugar que eu fui, mas eu não tinha nenhuma ideia do nome que queria mesmo. Raramente posso usar algo de manga curta ou uma blusa curta, as cicatrizes sempre aparecem e a última coisa que quero é que fiquem falando e espalhando. Pego um cigarro e vou até a sacada. O acendo e começo a fumar, a essa altura um câncer nos pulmões não é nada comparado do que estou fugindo. Policiais e um assassino psicopata estão atrás de mim, realmente é o auge do meu azar.

Ouço a porta do andar debaixo estourar em uma batida horrorosa e depois gritos de "Vá embora por favor!" ou "Me deixem em paz!". Eu diria que é Jeff se não fosse pelo plural, olho para o pessoal que está na rua, eles estão tensos e fingindo que nada está acontecendo, com medo. Já vi essa reação antes e com certeza a odeio. Vou até o corredor e pego um ferro de mexer na lareira, logo descendo as escadas. Quando chego no andar debaixo, são meia dúzia de moleques achando que são os reis do mundo só porque tem algumas tatuagens, uma franja horrorosa e se vestem de preto. Bom, eu já fui estúpida assim um dia.

- Ouçam crianças, se quiserem sair ilesos, acho melhor irem agora mesmo. - Respondi segurando a barra de ferro com força, na esperança de me controlar.

Ela estava no chão, eles chutaram a mulher, puxaram seu cabelo e provavelmente bateram com seu rosto no chão, seu rosto está com sangue.

- Nossa, carne nova por aqui. Que piada, essa mulher idiota achando que pode conosco, você é minúscula.

- A piada aqui é você, acéfalo.

Como todo o adolescente arrogante, todos eles vieram em minha direção com seu ego ferido, é fácil para mim lidar com eles, Jeff foi uma experiência horrível, mas acabei aprendendo que sem os remédios, eu posso ser ainda mais violenta do que pensei. Eu nem noto o que faço, apenas desvio de golpes, sou acertada em alguns e mesmo assim, acerto cada um deles com o ferro. Uso alguns golpes baixos, mas não é bem uma escolha, eles são bem maiores do que eu. Depois de alguns minutos está tudo acabado, eles estão rastejando pelo chão, gemendo de dor.

- Você é um monstro, sua palito de dente maldito.

- Já conheci pessoas que me chamaram de coisas piores que isso e fizeram coisas piores do que sair por aí batendo em pessoas achando que é algo incrível. Sumam daqui antes que eu mate todos vocês e mande em pedacinhos pela caixa de correio para os seus pais.

- Acha que um blefe desse vai me assustar, mulher maluca?

- Acha mesmo que estou blefando pirralho? Olhe bem para mim. Se eu tiver vontade de matar vocês, eu vou fazer isso, agora sumam daqui antes que eu decida fazer o que eu disse. - Falei puxando seus cabelos, o obrigando a olhar para mim.

Ele acredita no que digo, contrariado. Eles saem se apoiando nas paredes e uns nos outros, todos na rua olham para mim como se eu fosse uma aberração. Eu salvei uma mulher e só porque eu sou bem menor que eles e mais fraca, eu sou uma aberração. Tem coisas que nunca mudam. Ajudo a dona da casa a levantar, a levo até uma cadeira da cozinha e a ajudo a limpar o rosto. A casa está limpa agora, logo depois que cheguei ajudei ela a limpar tudo isso. Suspiro e olho para a janela da cozinha, Jeff está me olhando, ele está aqui. Ele me achou. Começo a recuar, sem tirar os olhos arregalados dele, bato de costas na parede e aos poucos desço até o chão, caindo pela parede. Assim que pisco, ele some. As alucinações estão de volta. Acalmo minha respiração tocando meu peito, a mulher está sentada na cadeira assustada com o meu estado. Solto as lágrimas que nem percebei que queriam cair.

- Querida, tem um jogo daquelas armas que soltam balas coloridas de tinta e que machucam bastante aqui na cidade, não sei o nome. Acho que você está muito irritada, seria melhor descontrair um pouco.

- Oh, eu sei qual o jogo. Vamos juntas?

- Sim, quero ver como você se sai.

Respirei fundo e levantei, ela já estava melhor, mesmo assim a ajudo a levantar e a andar até o jogo. Assim que chego no lugar, vejo que foi bem preparado, algumas torres pequenas para se esconder atrás, obstáculos como lixeiras e pneus, várias coisas do tipo e é como um labirinto no meio.

Deixo ela sentada em uma das arquibancadas, elas são mais alta que a área de campo, para assistirem tudo. Troco minhas roupas para as corretas para o jogo e entro lá dentro, dão a partida e começo a fazer uma barreira de defesa. Os tiros com as balas inofensivas começam a ecoar pelo local, a maioria são pessoas com a minha nova idade e com até mesmo mais. Começo a atirar em todos eles, com os meus reflexos ainda mais aguçados do que da última vez, presto atenção em cada passo e de onde ele veio, acertando praticamente todos os meus alvos. Só sobra um, ele é muito bom, provavelmente participa disso faz muito tempo, mesmo assim a raiva ainda ecoa em meu peito, eu não vou deixar que ninguém ganhe de mim nesse troço. Me escondo atrás de uma lixeira enquanto ele se aproxima atirando, presto atenção no som de seus passos e dos seus tiros, até mesmo de sua respiração. Me abaixo ainda mais, deitando no chão e no mesmo momento atirando, acertando tiros em seu abdômen. Ele perde. Assim que o jogo acaba deixo a arma no lugar onde disseram, vou ao vestiário e troco de roupa. Talvez aquele bando de adolescentes estivesse certo, eu nunca fui capaz de caçar alguém desse jeito, no máximo eu sabia me meter em confusão. Jeff me caçou tantas vezes, me torturou tantas vezes e me manipulou tanto, que me tornei algo como um caçador sem piedade. Enquanto eu jogava, parecia que era de verdade para mim. Eram tiros de verdade que eu queria que estivessem saindo da minha arma. Tenho medo de mim mesma agora. Subi as escadas até a arquibancada, a mulher estava sorrindo para mim, com um olhar estranho em seu rosto.

Antes eu tinha medo de Jeff, do meu pai, da minha mãe, das pessoas que viviam ao meu redor. Agora, eu sou minha própria chefe, sem medo de nada além de ser presa novamente. Presa na cadeia da polícia ou a de Jeff, ser esperta não é uma opção. Jeff sabe caçar ainda melhor que a polícia, preciso me esconder ainda mais dele, ele é mais forte do que eu por enquanto. Antes eu era como um pássaro com medo de voar e que se achava demais, mas depois de passar meses e meses presa com aquele homem, você aprende muitas coisas. Levo a mulher para casa, saindo logo depois. Está anoitecendo, estou cansada. Preciso comer e andar um pouco. Pego o celular, só tenho músicas baixadas e os números dos restaurantes da cidade, claro que o da dona da casa também. Compro um hambúrguer e refrigerante, depois de comer saio pela estrada enorme e reta de asfalto. Preciso caminhar pelo meio do nada, em direção de algo que nem sei o que é para pensar. Criei raízes nessa cidade, estou morando para valer na casa. Não posso negar que eu o amei, não posso negar que o que senti por ele tomou conta de mim ao ponto de eu matar Josh, um homem que era bom e queria ajudar. Eu não sei, talvez seja apenas ego achar que ele está atrás de mim. Não faz sentido que ele me procure, não sei mais o que quero. Eu me tornei algo que eu nunca quis. Eu nunca quis ser esse tipo de coisa, esse tipo de monstro. Lembro da eletricidade passando por minhas veias por ele me torturar, mas também lembro dos momentos bons. Não vou voltar mesmo que eu queira. Eu recebi aquela vírgula e não posso desperdiçar ela sendo a prisioneira dele ou da polícia.

Quando levanto a cabeça para olhar para a frente de novo, não posso acreditar no que vejo. Aquele animal e o seu filho, os buracos das facadas, o sangue, a terra escorre por suas bocas abertas enquanto eles andam rápidos e tortos em minha direção. Antes que possa recuar, tropeço e fico caída no chão deitada. Tento rastejar para longe, chorando. Eles estão em cima de mim, falando e cuspindo terra, larvas e sangue em mim. Isso não pode ser real. Não pode. Ouço o asfalto vibrar, um carro vem aí, não consigo me mover nem gritar. Ouço o freio dele, olho nos olhos vermelhos e cheios de sangue e raiva dos dois cadáveres em cima de mim e essas são as últimas coisas que vi e ouvi antes de desmaiar.

Dance With Devil -Jeff The killerOnde histórias criam vida. Descubra agora