Capítulo 20

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♥ Fred ♥

Outra pessoa não teria conseguido guardar aquela última vasilha com os restos da ceia de Natal na geladeira lotada, mas adivinha? Uma das minhas melhores qualidades era encaixar coisas enormes em lugares apertadinhos. Empurrei a porta fechada com um grunhido de vitória e me virei a tempo de ver a Bia jogando o pano de prato em cima da mesa da cozinha.

— O que mais? — eu perguntei.

— Acabou, graças a Deus!

A minha irmã não me enganava, com aquele sorriso forçado no rosto que podia facilmente se passar por cansado, mas que eu sabia ser pura tristeza.

— Não foi tão ruim, né? — Eu dei um beijo na cabeça dela depois que ela veio fácil para dentro do meu abraço.

Os tios do Lourenço e da Mariana, a irmã caçula deles junto do marido e o filhinho, tinham ajudado a encher a casa de risadas e papel de presente rasgado para todo lado. Sinais de um Natal, se não de todo feliz, pelo menos, perto de como deveria ser.

— Melhor que o ano passado. — Ela soltou uma risada abafada.

— Grandes merdas. Qualquer coisa ia ser melhor que o ano passado.

O primeiro Natal sem meus pais era um que eu não tinha motivos para lembrar. A alegria falsa pelo bem das meninas, a Bia no meio de uma crise de depressão e meu casamento na UTI dando o último suspiro. Engraçado como eu e a Camila tínhamos passado aquela noite brincando de diabo e cruz por não suportar ficar perto um do outro, e eu e a Mariana fizemos o mesmo, pelo motivo contrário. Foi superdifícil não poder ficar abraçadinho com ela e mostrar a todo mundo como aquela mulher me fazia bem.

— Verdade, mas foi menos pior do que eu esperava — a Bia murmurou.

— Não é o que todo mundo diz? Que fica mais fácil com o tempo?

— Quer ouvir uma coisa irônica? — ela perguntou, os dedos brincando com a gola da minha camisa, e continuou sem esperar resposta. — No tal almoço na casa da Mariana, eu lembro de ter sentado na mesa com eles, a Alexa falando pelos cotovelos pra disfarçar o clima péssimo, a Mariana parecendo uma escultura de gelo e o idiota do namorado dela pondo fogo na fogueira, e ter sentido pena do Lourenço. Me achado superior por ter uma família tão melhor. E agora a nossa posição se inverteu. Hoje, é ele que tem a família grande e feliz.

— Obrigado pela parte que me toca — eu disse, entredentes.

Eu ali, me achando um irmão nota dez e ela me comparando com as pessoas que tinham tratado ela como cachorro de rua sarnento.

— Não foi isso que eu quis dizer! — Ela se separou de mim o suficiente para conseguir passar a mão pelo meu rosto. — Eu não teria me importado se tivesse sido só nós quatro. Eu não sou nada, sem você e as meninas. É que eu sinto falta da mesa cheia, da casa cheia, e...

— Eu sei. Eu também. — A minha irritação evaporou no espaço das palavras que ela não disse. Se o ex-marido dela ganhasse a guarda das meninas, a nossa família ia se encolher mais. A mesa e a casa, insuportavelmente mais vazias e tristes. — Mas você está esquecendo um detalhe. Eles são a família da Alícia, e a Alícia é da nossa família. O que faz a família do Lourenço, ser um pouquinho nossa.

Minha lógica torta me fez ganhar um sorriso que acendeu um brilho de satisfação nos olhos da minha irmã. Missão cumprida. E sem precisar confessar como eu e a Mariana estávamos a ponto de fortalecer o vínculo familiar.

E claro, eu não ia deixar de voltar no ponto mais importante de tudo que ela disse:

— Eu não me lembro de você ter falado de um namorado da Mariana no tal almoço?

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