Capítulo 4

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♥ Fred ♥

Nada como um dia depois do outro, com uma noite no meio, era o que o meu pai costumava dizer. Clichê, ou não, um pouco de distância era ótimo para clarear a cabeça.

Dois encontros amorosos com a minha mão — um antes de dormir e o outro no chuveiro, depois da minha corrida na praia — e tomar café da manhã na casa da Bia, a duas cadeiras de distância da Mariana nem foi tão ruim.

Teve aquele minutinho de fraqueza em que foi impossível não admirar a beleza natural dela. Sem maquiagem, com aquele ar ainda meio sonolento, imaginei como seria acordar ao lado daquela deusa e ser presenteado com aquela visão logo ao abrir os olhos, mas não deixei a fantasia ir longe. Mulher bonita, tinha aos montes no Rio de Janeiro — todas bem menos complicadas que a Mariana — e consegui não ficar olhando e babando por ela. O tempo todo.

Depois da afirmação, na noite anterior, sobre estar ali para proteger o irmão, a posição dela do lado inimigo estava mais que clara. Sem contar que a Bia ia dar um jeito de contratar alguém para remover cirurgicamente os meus órgãos genitais se eu me metesse com a irmã do Lourenço. E eu sou muito apegado aos mencionados órgãos, obrigado. Melhor a Mariana de um lado, eu do outro e ninguém faltando nenhum pedaço.

Eu tinha até superado o momento 'mariola'. Não era um feito que me enchia de orgulho ou que eu ia contar para os meus netos, é verdade, mas eu podia ter chamado ela de coisa pior. Comparado com marimbonda ou maritaca, mariola era até meigo. Se eu fosse namorado da Mariana, mariola podia ser meu apelido para ela, por que não? Não que existisse a possibilidade de ser namorado dela, ou você não prestou atenção em nada que eu acabei de explicar?

O estacionamento da clínica estava cheio, mas uma vaga reservada estava à minha espera e parei em frente a placa com o nome do meu pai. Quase dois anos e ninguém tinha a coragem nem de levantar a hipótese de se trocar aquela placa. Muito menos eu. Ser recepcionado pelo nome dele todo dia de manhã era como receber um sorriso e um 'bom dia, meu filho'. Às vezes, eu até conseguia lembrar do tom de voz exato de quando ele costumava me dizer aquilo pessoalmente.

Não tinha sido fácil assumir o lugar dele. Eu só consegui por causa do doutor Macedo, sócio do meu pai, e agora meu e da Bia. Não fosse a paciência e generosidade do homem que eu considerava como meu mentor e que me ensinou tudo o que eu precisava aprender sobre a clínica em tempo recorde, a progressão de membro da equipe médica para proprietário teria sido muito mais dolorosa que foi. Não que cada dia ainda não fosse uma batalha a ser vencida, mas eu tinha a sorte de poder contar com a ajuda de um dos profissionais mais dedicados que eu conhecia e que, mesmo já podendo, nem pensava em se aposentar.

Eu desci do carro, agarrado ao meu almoço, um pedaço da lasanha vegetariana que a Berê tinha feito especialmente para mim, e a pasta com o meu notebook. Os quatro andares do prédio na minha frente faziam sombra no estacionamento na parte da manhã, mas gotas de suor se formaram na minha testa no curto caminho até a porta do fundo, e foi um alívio entrar no fresquinho do ar-condicionado.

Eu preferi enfrentar as escadas, ali atrás, que ir até à frente, pegar o elevador. Era só um lance para o meu andar e eu sempre perdia um tempão quando eu passava pela recepção. No térreo, ficavam os consultórios e eu estava atrasado demais para poder dar atenção para médicos e pacientes que me paravam pelo caminho. No segundo andar, para onde eu estava indo, se espremiam as salas de exames, o laboratório e os escritórios da administração. O terceiro andar era dos quartos de internação e o último, era composto por dois centros cirúrgicos e as unidades de UTI. A cozinha e o refeitório dos funcionários ficavam numa construção separada, no fundo do terreno.

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