Capítulo 31

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♥ Fred ♥

O maior problema de montar num cavalo é que mesmo que você já tenha visto um de perto, você só dá conta do quanto o bicho é alto depois que está sentado no lombo de um.

O seu Rodolfo e a Bia tentaram me convencer a esperar o dia seguinte. Estava chovendo e a noite não demorava a cair. Mais um motivo para ir logo, minha teimosia respondeu por mim. Impossível ter a Mariana ao meu alcance e colocar minha ansiedade em banho-maria.

O Matias, o sortudo funcionário da fazenda designado para me levar ao rancho, me deu um curso relâmpago sobre cavalos e a garantia que a minha montaria era mansinha, me aconselhando também a não ter medo, porque o animal pressentia essas coisas. Mais fácil falar que fazer, foi o que eu pensei, me obrigando a não compilar uma lista mental de todos os casos que eu já tinha ouvido de pessoas que morriam ou se machucavam gravemente em quedas de cavalo.

E, sério, quando a Mariana me visse arriscando a vida na cena clichê do príncipe galopando pelos campos no cavalo branco indo ao encontro dela? Perdão, na certa.

Foi o que a minha imaginação construiu quando o Lourenço me deu a "notícia ruim" dele. A realidade? Decepção completa.

Um príncipe ia usar algo mais elegante que o cobertor comprido com um buraco para a cabeça que os gaúchos chamavam de poncho, mesmo que aquilo fosse a melhor maneira dos cavaleiros se protegerem da chuva, e nunca ia usar o chapéu de feltro velho e fedorento enfiado na minha cabeça.

O galope, então, estava mais para passo de tartaruga na trilha estreita, cercada pela mata e coberta por pedras, raízes e adivinha? Mais barro. A gente ia mais rápido se fosse andando e a única vantagem que eu via em estar montado no possível causador da minha morte era evitar que as minhas botinas, também emprestadas e dois números menores que meus pés, se cobrissem com uma terceira camada de lama além das outras duas que já estavam em volta dela.

Eu não sabia se o silêncio do Matias era mau humor por estar perdendo o restinho de domingo com a obrigação inesperada ou se era da personalidade dele ser caladão, mas fiquei internamente grato pela falta de conversa. Me dava tempo de tentar prever e me preparar para a reação da Mariana quando me visse. Depois de tanto trabalho para se esconder do mundo, ela não ia ficar satisfeita com a minha invasão de privacidade e, com certeza, não ia me receber de braços abertos, mas eu não ia desistir fácil. Ela ia me escutar nem que eu tivesse que gritar tudo o que eu tinha a dizer através da porta fechada na minha cara.

Apesar da distração com meus pensamentos, eu tinha a impressão que estávamos subindo, o que foi confirmado pela minha primeira visão do rancho, aninhado entre o pé da pequena montanha onde estávamos e a lagoa atrás dele.

O rancho, o Lourenço tinha me explicado, nada mais era que uma casa pequena que servia de apoio para quem quisesse passar o dia, ou dias, pescando com conforto no meio do mato. Como a sede da fazenda, a construção de madeira era cercada por um gramado bem cuidado e vários arbustos floridos, e foi impossível não imaginar como seria chegar ali num dia ensolarado, a luz dourada do pôr do sol refletida nas águas calmas da lagoa. Infelizmente, eu tinha que me contentar com nuvens pesadas e água cor de chumbo castigadas pelas gotas da chuva. O que não deixava de carregar uma beleza diferente e mais apropriada ao meu estado de espírito.

Se eu não tinha entendido a vantagem do cavalo antes, ficou tudo claro quando começamos a descer a montanha, os passos do animal seguros e firmes no barranco escorregadio. Do jeito que a coisa andava feia para o meu lado, se eu estivesse a pé, provavelmente minha chegada triunfal seria feita ralando a bunda ou quebrando o pescoço rolando pela ribanceira.

O meu cavalo balançou a cabeça de um lado para o outro resfolegando e o Matias olhou para trás.

— O senhor tá puxando muito a rédea. Afrouxa um pouco — ele mandou e eu obedeci, tentando não descontar no cavalo o meu nervoso com a descida perigosa e a nossa chegada iminente.

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