O vento australiano parecia propício para conseguir derreter a maquiagem pesada que as olheiras me obrigavam a usar naquela manhã. Era de costume me atrasar para o primeiro Grand Prix do ano, como uma tradição, mas não das boas. Todas as vezes eu pensava e dizia a mim mesma que isso teria que ter um fim, ou eu e meu estágio teriam fim primeiro.
Com esses pensamentos de acompanhante, paguei rapidamente o gentil taxista que aceitou mudar sua rota pelo meu atraso e passei correndo pela enorme fila de torcedores que se instalava do lado de fora do autódromo. Esse era mais um dos momentos que eu agradecia em silêncio o privilégio de ter credenciais penduradas em meu pescoço.
Agora, dentro do Paddock, eu tinha mais uma enorme maratona para correr até os boxes das equipes e depois enfrentar um leão ainda maior: meu chefe. Por isso, segurei firme com as duas mãos as alças da mochila simples e surrada que me acompanhava desde a faculdade e caminhei em passos largos e apressados no meio daquele caos de engenheiros e mecânicos que transitavam pelo pitlane.
Quando pousei meus pés sobre o box da escuderia britânica, a primeira coisa que poderia e aconteceu comigo foi a falta de ar, que me atingiu em cheio, fazendo com que eu me escorasse na primeira parede que havia na frente e apoiasse as mãos nos joelhos, tentando recuperar o ar. Depois de alguns minutos eu estava nova e inteira para poder começar mais um temporada de árduo trabalho como uma pequena estagiária na mais clássica escuderia do esporte.
A McLaren não estava em uma boa fase, mas também não estava em crise, muito pelo contrário, a multidão de fãs e torcedores continuava como na sua era de ouro, o que, na maioria das vezes, era o gás que faltava para a equipe se empenhar e tentar entregar resultados melhores na pista. Sendo assim, busquei um lugarzinho naquele extenso balcão onde os engenheiros usavam para quebrar a cabeça e me acomodei entre eles.
A sexta-feira sempre era o dia mais exaustivo, mesmo comparado com sábado de classificação e domingo de corrida. É nela que acontecem os treinos livres, e com isso, os detalhes e vistorias devem ser feitos com o máximo de precisão o que, consequentemente, acaba sobrando para mim.
— Bom dia, Stella. Chegou cedo desta vez — Andreas me olhou pelas lentes grossas de seu Ray-Ban e deu uma risadinha depois de perceber que havia me assustado.
— Desculpe, Andie — disse meio sem graça, mas respondi o sorriso — amanhã serei a primeira a chegar. Prometo — Estendi o dedinho para ele, que me retribuiu entrelaçando no seu.
Talvez fosse o fato de eu ser a mais nova das integrantes da equipe — ou isso tudo fosse coisa apenas da minha cabeça — mas, todos ali me tratavam bem, com exceção de Lya, uma das chefes da equipe de engenharia.
Ela era experiente. Tinha mestrado e doutorado em uma das melhores faculdades do país, sem contar sua formação em Harvard. Além disso, Lyandra era uma das beneficiadas de uma farta herança de um dos seus avós, o que fazia com que a engenheira estivesse sempre muito bem vestida e com boa aparência, deixando-a ainda mais com ar de superioridade.
Depois de muito divagar entre os diversos pensamentos, era hora de colocar meu conhecimento em prática e trabalhar. Então, peguei meu notebook e, nele, abri o arquivo que Lya havia me enviado na semana passada a fim de que eu resolvesse o problema em questão. Era, como sempre, uma enorme conta sobre os eixos e o alinhamento do carro número 4. Eu havia gastado o final de semana passado inteiro frustrada, presa no hotel, encarando o computador e a calculadora, mas no fim, tudo deu certo.
Agora, meus olhos passavam como um raio pela tela, procurando algum erro para corrigir antes de enviar o arquivo a Lya. Mas, antes que eu pudesse apertar o botão de enviar email, o protagonista apareceu na garagem, como se fosse o maior dos rockstars da atualidade. A mistura de azul e verde faziam uma harmoniosa combinação com os cachos castanhos que cobriam sua cabeça. Lando Norris era um dos pilotos da escuderia, o mais novo deles e o dono do carro 4, talvez ele fosse um prodígio do grid.
Ele caminhava com um sorriso divertido no rosto, enquanto cumprimentava cada um que sua vista alcançasse.
— Bom dia, Stella — Ele sorriu rápido, e sumiu da minha vista antes que eu pudesse responder.
Norris e eu estudamos juntos. O ensino médio havia sido uma época boa para mim. Eu tinha muitos amigos, mais que pudesse contar nos dedos das mãos, mas depois que tudo acabou, apenas Josephine havia me sobrado. E Lando.
O piloto, por sinal, era o oposto. Não o via com amigos pelo colégio, muito menos com garotas. Mas assim que nos formamos, ele investiu no que sempre fez de melhor: correr. Depois de uma vida transitando entre concursos de karts e categorias menores, o britânico havia se consolidado na cobiçada fórmula 1.
Sua única preocupação agora, era ser melhor que Carlos, e melhor que os dezoito pilotos que formavam o grid. Talvez assim, conseguisse uma vaga nas duas maiores escuderias do momento: Mercedes e Red Bull.
— Stella — A voz gélida e petulante finalmente me chamou pela primeira vez na temporada — O cálculo dos eixos, por favor.
Larguei a nostalgia que sentia e arrumei imediatamente minha postura. Prontamente, olhei a mais velha com atenção e escutei o que ela tinha a dizer, depois, apenas concordei em silêncio, lhe oferecendo um sorriso amarelo. Por mais que tenha sido forçado, ainda assim era um sorriso.
— Vou mandar agora — Foi o que consegui dizer enquanto a engenheira dava meia volta sobre seus saltos e desaparecia da minha vista.
Apertei o enviar e pedi baixinho aos céus para que não tivesse nenhum erro despercebido no arquivo. Pensei por um momento em como seria a punição caso tivesse erro, e varias coisas passaram pela minha cabeça, até mesmo a demissão.
Percebi que minhas mãos começaram a soar, então passei-as pelo meu jeans escuro e respirei fundo antes de mergulhar nos milhares de relatórios que eu deveria finalizar enquanto os vinte carros corriam pela pista. Talvez o barulho me incomodasse um pouco, mas nada como o bom e velho fone de ouvido e a playlist certa tocando. Assim, mal percebi o tempo passar e os dois carros alaranjados voltarem para a garagem.
— E então, como me sai? — Norris disse atrás de mim, uma voz abafada, com a balaclava ainda vestida e o capacete em mãos.
Suspirei fundo em reação do susto que o piloto me causou e ri sozinha antes de me virar à ele enquanto tirava os fones do ouvido. Ele se afastou um pouco e finalmente tirou o pano branco que cobria quase seu rosto todo. Seus cabelos estavam encharcados, sua pele avermelhada e quente, e os fios do rádio atrapalhavam seu pescoço.
— Muito bem, melhor que na semana passada, mas amanhã podemos ser melhores que hoje, o que acha? — Perguntei, mas esperava que ele recebesse como um incentivo.
— Por mim, tudo bem — Ele deu de ombros, ainda respirando ofegante.
Lando deu um sorrisinho que foi rapidamente retribuído e saiu em direção ao seu quarto privativo enquanto abria o velcro do macacão que cobria seu pescoço. Essa foi a deixa que aproveitei para me virar ao computador e enviar a Lya os relatórios produzidos no treino.
Eu sentia que essa temporada seria diferente, mas ainda não sabia em qual sentido.
🖤
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Roller Coaster • Lance Stroll
Romance"We were up and down and barely made it over, but I'd go back and ride that rollercoaster with you." capa por @dybaladeiro