12. capítulo doze

1.3K 99 89
                                    

Depois de alguns minutos eu estava no hotel, sentada de frente para a TV, encarando o aparelho desligado. A luz do por do sol invadia a enorme janela de vidro aberta, e a cidade italiana estava silenciosa demais para o horário.

As batidas na porta pivotante me fizeram estremecer e largar os pensamentos que me deixaram em transe. O canadense cruzou a porta rapidamente. Ele estava vestido como de costume: roupas casuais, de cores neutras, mais especificamente um jeans escuro e uma camisa preta. Seus cabelos estavam penteados, e pediam urgentemente um corte.

O rastro do perfume masculino se espalhou pelo quarto, e então, eu fechei a porta atrás de mim. Meus pés descalços me levaram de volta a cama. Lance colocou as sacolas que trazia em cima da única poltrona que havia no ambiente. Um barulho de vidro veio de dentro de uma delas, e eu franzi as sobrancelhas.

O piloto tirou seus sapatos, e desembrulhou o que havia comprado. De dentro das sacolas ele tirou uma garrafa de vinho e alguns farnéis com comida japonesa. Antes de se sentar ao meu lado na cama, Lance selou nossos lábios, e deixou o celular, a chave de sua Mercedes, e a carteira na mesinha ao lado da cama.

— O que achou da corrida de hoje? — ele me entregou um par de hashis, e eu aceitei, o agradecendo com um sorriso.

Lance passou alguns canais pela TV, e deixou no primeiro filme que encontrou. Eu molhei uma peça de sushi no molho que acompanhava e levei até a boca, enquanto pensava em uma resposta.

— Poderia ser melhor, mas o Lando pontuou, estou feliz por isso — eu disse sincera, e bebi um gole do vinho tinto.

Stroll não disse nada. Ele parecia faminto, e me perguntei em silêncio se ele havia almoçado depois da corrida. Depois de alguns minutos devorando os salmões crus, o piloto continuou a conversa.

— E quanto à mim? — ele me encarou por um segundo, como se fosse uma criança sapeca implorando um doce à mãe, e eu franzi as sobrancelhas sem entender — qual é, Stella?!.

— Não prestei atenção nisso, estava trabalhando, desculpa — pousei minha mão livre em cima da sua, enquanto o observava acabar com o último gole de vinho da sua taça — em qual posição você terminou?

— Décimo segundo — ele quase sussurrou.

— Sinto muito — eu sorri amareladamente em um gesto de carinho, e meu polegar acariciou a pele do dorso de sua mão — bom, fiquei desesperada hoje, achei que perderíamos todas as chances depois do Carlos abandonar, mas o Lando deu conta.

Eu levei minha taça a boca por senti-la secar. Lance esperou que eu terminasse para encher novamente ambas. O líquido escuro parecia despejar em câmera lenta até o vidro transparente. O piloto não disse nada, mas ver sua mandíbula travada me fez insinuar o que passava em sua cabeça.

— Não acho que ele mereça todo o mérito — então ele finalmente iniciou — o Norris é mediano, Stella. A equipe dele é boa, mas não é ótima.

Eu queria rir, incrédula, mas não fiz. Fui salva pelo despertador do meu celular, avisando que eu deveria começar a arrumar minha mala para ir ao aeroporto, e voltar para casa. Então, apenas me levantei da cama, deixei a taça na bancada em baixo da TV, e coloquei minha mala em cima da cama, aberta.

— Ache o que quiser dele, mas saiba que não há um centavo vindo da família dele dentro da McLaren pra que ele tenha contrato todo ano — as palavras apenas saíam da minha boca, e eu gostava da sensação causada — aliás, quantas vezes sua querida Racing Point ganhou alguma coisa? — levantei meu olhar para ele, que ainda estava sentado na cama, congelado, e não respondeu — imaginei.

Caminhei por todo o quarto, juntando as peças e meus pertences que estavam espalhados pela correria matutina às vésperas dos treinos e corridas da semana. Entrei no banheiro e recolhi tudo o que havia ali, colocando dentro da necessaire que designava apenas para isso.

Com os braços cheios, despejei tudo o que havia encontrado dentro da mala, e depois de encará-la por um tempo, decidi começar a distribuir meus pertences dentro dela, de maneira que a faria fechar perfeitamente.

Lance não se deu o trabalho de dizer nada. Ele sabia que havia falado demais, e preferiu fazer o certo: ficar quieto. O canadense apenas recolheu todo o lixo que havíamos produzido, e o colocou de volta nas sacolas, junto as taças e a garrafa de vinho. Ele calçou novamente seus sapatos, e em poucos segundos, estava de frente a enorme janela, encarando a noite quente da Italia, com as duas mãos nos bolsos da calça.

— Preciso fazer o check-out — falei antes do barulho ridículo do zíper da mala se fechando ecoar pelo espaço. Suas rodinhas atingiram com certa raiva o chão, e continuaram assim, se arrastando pelo chão atrás de mim.

Desci sozinha pelo elevador. A cada andar marcado pelo som irritante, minha cabeça doía mais. Me senti aliviada quando a porta cinza se abriu a minha frente, revelando o saguão iluminado do prédio. Havia uma pequena fila, como sempre havia nos hotéis próximos ao autódromo em semana de corrida.

Enquanto esperava impaciente, usei meu celular para chamar um táxi. O aplicativo demorou a abrir, e eu imaginei ser o péssimo sinal da cidade, o que me fez surtar em silêncio. Felizmente, fui salva pela simpatia da recepcionista, que além de me tratar muito bem, ainda havia elogiado a equipe quando seus olhos enxergaram o logo da McLaren em minha blusa. Eu agradeci, impaciente, e passei o cartão pela maquininha, pagando minha estadia e todos os produtos que havia consumido durante os quatro dias.

Assim que meus pés e as rodinhas da mala atingiram a calçada, um arrepio percorreu meu corpo. O vento frio acertou em cheio meus braços descobertos, e usei minhas mãos para apaziguar. Depois de ficar vidrada nos carros de alto custo que transitavam pela avenida, lembrei do meu voo e, instintivamente, levantei o pulso para poder ver as horas no meu relógio. Faltava menos de uma hora e, com certeza, se nenhum táxi passasse por mim agora, eu perderia a chance de chegar cedo em Londres.

— Eu te levo — seu hálito quente contra a pele gelada da minha nuca me fizera assustar.

O canadense passou por mim, caminhando com calma até o estacionamento do hotel. Sem escolha, eu apenas o segui, e assim que sua Mercedes foi destravada, me sentei no banco do carona, e passei o cinto pelo meu corpo. Observei, pelo lado de dentro, Lance colocar minha mala no porta-malas, e depois, se sentar ao meu lado.

O caminho, curto até o aeroporto, pareceu durar horas diante do silêncio que havia se instalado entre nós. Até mesmo a música que tocava no rádio parecia não ter som. Enquanto eu olhava a paisagem pela janela, me perguntava se estaria sendo dura demais com ele.

— Boa viagem — ele disse apenas por educação e preocupação, quebrando o silêncio depois de alguns minutos já estacionados em frente a entrada do aeroporto.

Lance desativou as travas das portas, e eu não hesitei ao sair do carro. O ar gelado mais uma vez me fez tremer. Stroll me ajudou com a mala, e antes de caminhar até a entrada, por fim, ele tentou se aproximar, mas eu recuei.

— Obrigada — agradeci pela carona, e caminhei o mais rápido possível para a entrada, tentando me perder entre as milhares de pessoas que haviam ali.

🖤

Roller Coaster • Lance StrollOnde histórias criam vida. Descubra agora