— Olá, David! Quanto tempo, hein? — Larissa fala animadamente ao comunicador.
— Olá, Lari! Como vai?
— Ótima! Estou evoluindo bastante em aspectos de pesquisa sobre mutações aqui... Não, não... Não se preocupe, o objetivo deste estudo é para evitar variações. Como está Mari?
— Estamos todos ótimos! Mari está saudável, mas como você sabe... está difícil aqui fora. — completa David.
— Sinto saudades de nosso tempo de laboratório David... Formávamos uma excelente equipe.
— Sim, Lari... Eu... Eu também sinto saudades.
— Pelos menos nos falamos com alguma frequência, não é? Você não tem ideia de como isso me ajuda... Se não fosse por você, eu já teria perdido a sanidade... — Larissa diz isso com um misto de humor e angústia.
— Então, Lari... Eu não vou poder te ligar mais... Estou indo para a Europa. Estudos estão avançando lá. Você sabe, não é? Essa coisa toda do vírus...
— Ora... mas você não poderá falar comigo da Europa... Por quê? É por causa do valor do interurbano? — Larissa ri com sua própria piada.
— Lari... vou ter que desligar. Só queria dizer que...
Larissa, sente a pausa na voz de David, com um peso maior que a gravidade de Júpiter.
— SAIA DAÍ LARI... ACABE COM ESSA LOUCURA... ELES VÃO (túúúúúú)
A ligação foi cortada.
Larissa se levanta e vai novamente até a janela. A moça ainda está lá, com suas roupas puídas e rotas. Com seu cartaz, plastificado, para não estragar quando chove...
Que curioso... quão obstinado o ser humano pode ser?
— Eva... EVA! — Larissa chama a criada.
— Sim, minha Rainha. — responde uma Eva-Ama, em tom submisso.
— Prepare uma vestimenta. Uma roupa das que eu usava quando frequentava, ainda, o mundo exterior. Estão no quarto das relíquias, mas de qualquer modo, ainda devem me caber... não mudei muito nesses últimos sete anos.
— Sim... minha Rainha. — a Eva Ama responde deixando a sala.
(...)
Larissa se dirige calmamente ao portão norte do Domo. O portal que dá acesso à estrada. Era o portal que utilizava quando vinha de casa, o mais familiar, em seu cotidiano nos tempos passados.
O outro portal, ao lado sul, dá para a península. Era o acesso utilizado pelos operários que moravam na cidade interna, que abrigava os empregados braçais, além é claro, dos militares e stakeholders que vinham em barcos, lanchas e até iates pelo caminho marítimo, ou por fim, de jatos particulares, ou fretados que pousavam em seu pequeno aeroporto.
Larissa não vê mais ninguém vindo pelo lado sul há anos. O último homem que viu ali, foi seu ex noivo, Julius. Ela foi até o portal para vê-lo... pelo menos foi nisso que Julius acreditou. Na verdade, enviou uma Eva, com a instrução de não dizer nenhuma palavra, apenas entender e memorizar o que ele dissesse.
A Eva retornou com a informação. Ele tinha se mudado para a cidade dos operários que, atualmente, está praticamente deserta. Somente é possível acessá-la pelo mar. Disse que iria esperá-la. Morreria ali, se necessário, mas esperava Larissa, para retomarem a vida. Passou o endereço. Larissa não anotou, mas memorizou. Quando a Eva saiu, anotou em seu caderno. Avenida das Acácias, 1240 ap. 2305.
Larissa finalmente chega ao portão. Ana está ali, incrédula, é uma clone, mas não é uma clone... ela demora a realizar... É ELA! Larissa!
Larissa pára em frente ao portal. Gesticula suavemente, em uma breve mímica orientando Ana a levantar a barra da blusa para verificar se não há nada escondido ali. Pede para retirar os sapatos.
Ana prontamente os remove, jogando-os para longe, com um movimento brusco de cada pé.
Calmamente, Larissa aproxima seu cartão do leitor e o portal de abre.
— Entre. — Diz Larissa com calma.
Ana, ainda com o cartaz em exposição, entra em um pulo, seus olhos escorrem lágrimas de felicidade. Todo aquele esforço... Todo aquele sofrimento, enfim valerá a pena.
Mais um toque do cartão... o portal se fecha.
— Obrigada... Obrigada... — Ana não sabe o que dizer, então entra em um loop de agradecimentos sem fim.
— Obrigada por quê? Não lhe dei nada... — Diz Larissa com um tom de indulgência.
— Obrigada... Obrigada... Obrigada... — Ana ainda em loop, agora ainda mais acelerado.
— Venha. Vamos conversar um pouco. Aceita um pouco de chá?
— Obrigada... Obrigada... — O loop é infinito, Ana agora segue atrás de Larissa, ainda com o cartaz em frente ao corpo.
— Jogue fora esse cartaz, menina! Você não vai mais precisar dele.
Ana olha para as próprias mãos e vê como está sendo idiota. Atira o cartaz para o lado e corre para não deixar Larissa se afastar de sua vista.
Larissa acessa com Ana o saguão da torre. Ana está deslumbrada com aquilo tudo... Por dentro é muito mais imponente e futurista do que imaginava, além de muito maior do que supunha, pelo que podia avistar de fora do domo.
As duas mulheres sobem no elevador até o último andar da torre. A porta se abre e Ana, involuntariamente, escancara a boca e os olhos, por pura admiração em relação ao que vê.
Do alto da torre, um enorme espaço redondo envidraçado. É possível ver tudo ao redor em um raio de quilômetros! Somente uma coluna no centro do cômodo, uma larga e cilíndrica parede branca. Ana está esfuziante e desorientada, mas percebe que, aquela parede central é por onde passa o feixe de energia que sustenta o domo.
— Aqui será seu quarto. — diz Larissa, estendendo a mão esquerda em frente ao corpo, como que oferecendo, aquela vista de presente para Ana.
— Sim! Aceito! É lindo... — Ana está descontrolada de emoção.
— Aqui é o local mais nobre de toda a torre. Eu mesma morei aqui por um tempo. É distante do meu laboratório, por isso me mudei. Agora esse espaço é todo seu. Sabe porquê?
— Sim... Não... Não sei... Me diga, por quê? — Ana reduz um pouco a ansiedade nessa última sentença.
— Por três motivos — informa Larissa — Primeiro: se você me trair, será jogada aqui de cima; segundo: se tentar qualquer coisa contra mim ou minhas Evas, jogo você lá para baixo; terceiro: a vista é realmente linda.
Ana expressa um olhar preocupado, nos dois primeiros motivos e volta a rir no terceiro, para enfim, retomar ao deslumbramento inicial.
— Senhora Larissa. A vista não importa, o quarto também não... A senhora sabe o que quero de verdade, não é? Quero ser mãe. Mais que tudo na vida quero ter filhos. A senhora é a única que pode resolver isso. Pode tirar esse vírus de dentro de mim...
— Sim, minha filha... eu sei. Eu também sofria muito com vontade de conceber. Olhe só agora! Tenho centenas de filhas!
Ana olha em volta, as Evas todas em seus afazeres. Expõe em seu semblante a confusão mental que acompanha a conclusão do que Larissa acaba de falar.
— Não! Senhora Larissa... eu não quero centenas não... Só um... Quero somente um e já ficarei feliz.
Larissa não consegue conter o riso. Como sentiu falta de alguém para conversar. Como uma pessoa como Ana, nitidamente limitada, está fazendo essa enorme diferença. Ela sente que é uma boa menina, que pode se afeiçoar a ela.
Como poucos minutos com essa menina, a fez se esquecer completamente do estranho alerta de David? Não fosse por Ana, ficaria remoendo aquele aviso por semanas. Afinal o que pode ser feito a ela ali dentro? Não... ela não tem motivos para se preocupar.
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A Torre de Selene (concluído)
Science FictionLarissa é uma pesquisadora biomédica feliz e realizada até que sua vida é completamente alterada por uma séria de eventos paralelos e aparentemente desconexos. Seu noivo a trai com sua amiga, sua empresa decide transferi-la para um lugar muito, muit...