Os jovens! Ah! Os jovens... Fred senta em uma poltrona, atira o jeprexe ao sofá em frente, se recosta ainda suado e fecha os olhos.
Pensa em tudo que se envolveu, em sua participação nesta sinistra farsa maniqueísta. Já não tem mais noção de quantos eventos realizou nem a quanto tempo se apresenta neste titeritismo.
Está incomodado com os rumos que as coisas estão tomando. Soube que existem campos de concentração, pessoas em trabalhos forçados, a maioria velhos, líderes religiosos e, como não podia deixar de ser, os párias de sempre.
O que ele via como libertário, gradativamente passou a ditatorial. Tornando-se uma estranha ditadura da paz, da individualidade... do egoísmo.
Os meios de comunicação de massa estão, em todo mundo dominados pelos Novos Coptas. As redes foram desconectadas. Até a antiga internet teve suas espinhas dorsais e satélites desativados.
A propaganda segue o mesmo padrão dos anos 1960 e 1970. Somente telas, exibindo conteúdo controlado. As mensagens subliminares já não são mais necessárias... É tudo exposto às claras! Por alguma razão, ninguém mais se incomoda. Ninguém mais pensa em revolução.
Reflete sobre seu papel. Desde o início de sua vida de crimes, sempre prezou e de certa forma até se orgulha por nunca ter machucado ninguém. Em sua honra de bandido, essa premissa sempre balizou sua moral retorcida.
Justamente ele... que é um dos principais beneficiários deste regime fascista, busca encontrar um modo de se livrar de toda aquela balela. No entanto, sabe que seria como assinar seu próprio atestado de óbito... Cometer qualquer deslize, qualquer suspeita pode levá-lo de volta à prisão, aos campos de concentração ou até mesmo para um caixão.
Espanta essas ideias absurdas de sua cabeça. A vida tem lhe sorrido, porque não retribuir com uma grande e larga risada? Decide tomar um banho para, em seguida, se refestelar em seu habitual banquete pós culto. mens sana in corpore sano.
(...)
Está novamente na coxia, aguardando a deixa para realizar sua triunfal entrada para mais uma estupeficante apresentação.
Sua presença preenche o palco. Sua expressão corporal, seus olhares penetrantes à plateia, os movimentos liturgicamente ensaiados, são seguidos das palavras proferidas, inicialmente com suavidade e ternura até o clímax da apresentação, onde, praticamente berra enquanto soca o púlpito em um frenesi enfurecido.
Dado momento, como sempre dentro do roteiro meticulosamente ensaiado,para por um segundo e em meio a uma profusão sonora de palmas e uivos da plateia, retoma a sua voz calma e reconfortante, iniciando um novo ciclo que culmina novamente em esguichos de virulência e ódio.
No entanto, agora, muda seu script; insere um caco, um improviso...
— Meu rebanho. Almas que seguem, por intercessão de Rá, as palavras de Ramsés. Este é o vosso mundo. Está escrito! — Sua entonação é calma e tranquila.
Sua visão periférica consegue captar uma movimentação nos bastidores, ao lado do palco. Somente o fato de ter feito uma pequena intervenção, já deixa os agentes atentos. Reflete por um segundo sobre o que está prestes a fazer. É a última hipótese de não prosseguir com essa insanidade.
— Vocês têm sido enganados! Estão me forçando a fazer esse teatro aqui, ao vivo, na frente de todos vocês. De todos vocês que me assistem de casa, e do trabalho... — aponta para as câmeras, como se, avisando aos telespectadores que devem prestar atenção também — Isso é uma farsa, uma falsificação, uma pantomima. Os mesmos velhos de sempre não querem que vocês assumam, o que de fato pertence somente a vocês. O FUTURO! — Agora ele grita e vocifera.
A multidão entra em delírio! Todos gritam e apontam as mãos estendidas em direção a Fred.
— Convoco todos os jovens. Todos mesmo! Principalmente, vocês que são comandados. Os soldados, os cabos e os sargentos de todas as forças do Estado! Todos que tem o espírito da juventude em seus corações. Que tem a certeza que encontraremos uma saída para este maldito vírus que quer nos extinguir! MATEM seus superiores. ELIMINEM seus líderes...
O General entra no palco correndo. Não está em suas fardas, está vestido em trajes civis... Empurra Fred para o lado. Toma o microfone e berra, cheio de convicção:
— É MENTIRA! ESSE HOMEM É UM MENTIROSO.
Não tem tempo de dizer mais nada. Um grupo de agentes que estava ao lado do palco retira o general. Fred volta para à frente do púlpito, pensa nas palavras que irá proferir a seguir e consegue escutar os dois estampidos ao lado do palco, quando vê, quatro jovens puxam o corpo morto do General para os fundos.
Fred olha para à frente, vê a enorme multidão, engole a seco o bolo que trava sua garganta, pigarreia e conclui:
— Minha palavra foi proferida! Minha missão está dada! O que ainda fazem aqui? MATEM QUEM COMANDA A MORTE!
A multidão, como um único ser vivo, se movimenta em direção às saídas do estádio. Fred consegue ouvir as sirenes, as explosões, como uma risada de satisfação da morte... A morte que Fred encarna a partir daquele instante. Agora ele é a morte.
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A Torre de Selene (concluído)
خيال علميLarissa é uma pesquisadora biomédica feliz e realizada até que sua vida é completamente alterada por uma séria de eventos paralelos e aparentemente desconexos. Seu noivo a trai com sua amiga, sua empresa decide transferi-la para um lugar muito, muit...