Fuga

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Ísis acorda. Um barulho sutil, porém, insistente incomoda seu sono até que desperta. É noite ainda e a escuridão toma seus olhos por alguns momentos até que a lânguida luz da fogueira começa a se acomodar em sua retina.

O barulho continua. Baixo e insistente.

Pong... Pong... Pong...

Algo está batendo ininterruptamente na lona de sua pequena barraca. Ela sai. Em pouco tempo vê que uma frutinha voa e cai no teto de sua cabana, depois outra e outra. Ela força a vista na direção de onde vêm as frutinhas. Vê Amon.

Ele para de atirar as frutinhas e sinaliza para ela, gesticulando.

Caminha até ele. Vê Hórus e Toth pouco atrás. Todos com seus arcos e lanças.

— Então? Ainda livre para um passeio com seu arco? — Amon pergunta com seu sorriso galante.

Ísis coça os olhos, olha em volta.

— Você está falando sério? É sua garantia de expulsão do conselho...

— Nunca tive tanta certeza. Tempos difíceis demandam decisões difíceis.

Ísis dá um longo suspiro. Hórus a encara, em desafio.

— Pai. Melhor irmos sós. Mulheres estão sempre presas a seus medos.

Ísis encara de volta. Responde em meio aos dentes cravados de ódio.

— Estou indo buscar meu arco.

Ao sair da barraca, Ísis dá de cara com Bastet.

— Aonde vamos? — Bastet pergunta em tom de afirmação

— Esses loucos querem interceptar a outra campanha de exploração de Ammit. É loucura, eu sei, mas me desafiaram.

— Esse seu orgulho ainda vai te levar para debaixo da terra, Ísis. É só dizer que não vai. Precisamos de você aqui, com a verdadeira tropa.

— Não vou te enganar irmã. Eu não quero ir... Não posso dar esse gosto à Hórus. Ele se alimenta de seu próprio orgulho. Suas tentativas de me humilhar são como raízes cozidas para alimentar seu ego.

— Não vá, irmã, eu lhe rogo.

Ísis, encara profundamente o semblante firme de Bastet. Sabe que a irmã está certa e que o risco é real. Sorri.

— Não diga nada ao conselho.

Dá as costas para a irmã e sai com os homens tomando a direção do bosque.

— Meu pai não sabe como lhe convencer, não é menina? — Hórus fala isso com seu tom mais sarcástico.

— Você não me convenceu Hórus. O que decido é por minha própria conta. Tenho certeza que se deixar vocês sozinhos, vão dar um jeito de encontrar a morte.

— É a morte que nos encontra, menina. Mas não se preocupe, pois pretendo me manter à sombra de sua visão por muito tempo ainda.

Estão a cavalo, pegaram os animais amarrados em um tronco distante da vila. Não queriam chamar a atenção com o barulho dos cascos. Agora andam em meio às árvores da floresta, na escuridão, rumo a um destino incerto. Ísis pensa na irmã, se arrepende de ter dado as costas a ela.

A jornada será longa. A noite passa lentamente, a Lua e as estrelas giram em seu compasso preguiçoso. Os morcegos, insetos e sapos cantam em sua serenata insone e o grupo segue resoluto cruzando aquele templo de escuridão.

(...)

O sol já ilumina, suavemente, a mata e Ísis sente seus olhos arderem, reflexo da noite mal dormida. Olha os companheiros em volta, Toth e Hórus estão um pouco à frente e conversam animadamente. Amon segue na retaguarda com os olhos cerrados em busca de algum movimento suspeito. Ele se alarma. Imediatamente solta um silvo de seus lábios para chamar a atenção dos outros. Todos se voltam para ele.

— Vocês estão ouvindo? Cavalo...

— Ísis, desperta imediatamente e se põe a auscultar o ar pesado da pequena floresta.

Hórus saca seu arco, é seguido por Toth. Ísis permanece imóvel, sentindo o ar.

— Abaixem os arcos — ela diz rispidamente.

Os rapazes olham para ela incrédulos, mas obedecem. Em um minuto Bastet aparece.

— Você não pode ir sem mim. Pode ter algum javali no caminho. — ela diz com um sorriso.

Ísis sente uma imensa vontade de chorar. Quando seus cavalos emparelham, dão um pequeno roçar de braços.

— Quase chorei por te ver aqui. Não vou dar esse gosto à Hórus — Ísis fala com a voz embargada.

— Seu orgulho ainda vai te levar para debaixo da terra minha irmã — responde Bastet.

A Torre de Selene (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora