Pai

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Amon se posta à frente da incipiente tropa formada por jovens, acostumados a pescar e a caçar, quando muito, já que a maioria ajudava mais frequentemente apenas com a coleta de raízes que formam a base da alimentação da pequena vila.

Havia se passado muito tempo desde o grande conflito e a maioria dos que haviam participado, ou haviam morrido, ou integrava o conselho. Amon se incluía no último grupo.

— Senhores! O conflito é inevitável, por conseguinte, teremos que nos preparar. Peguem seus bastões e iniciemos o treinamento.

Após algumas horas de desgastantes e infrutíferas tentativas de tornar aqueles rapazes minimamente viáveis para uma batalha, Amon está exausto.

Pega o caminho em direção ao rio e, fortuitamente, encontra Ísis. Está indo ver o prisioneiro e Amon aproveita para puxar assunto.

— Quanto tempo julga que teremos para a preparação? — indaga.

— No máximo mais alguns dias... — Ísis responde, incerta.

— Minha esperança é que tenhamos, pelo menos, uma semana até que Ammit nos descubra aqui. Preciso trabalhar muito com os rapazes.

— Meu arco pode ser de grande valia no caso de uma batalha.

— Não queremos colocar mulheres no confronto.

Ísis vira os olhos. Ela não entende porque mulheres sempre são rejeitadas em atividades que não sejam cozinhar, limpar as tendas e cuidar de crianças. Demorou muito para conseguir se provar como caçadora e, agora, que o destino de todo o seu povo está em perigo, voltam com essas restrições sem sentido.

— Você sabe que vamos lutar contra mulheres, não é?

— Ah! Com certeza. Não são mulheres de verdade... São como formigas que não sabem o que fazer, ou para qual lado ir, sem sua rainha. Aquelas estéreis não farão diferença alguma para Ammit.

— Então essa é a questão? Somos reprodutoras? Por isso não podemos nos arriscar?

Ísis diz isso ao mesmo tempo em que confirma sua falta de vocação para a maternidade. Nunca demonstrou nenhum interesse em gerar um filho. Sempre se interessou muito mais por arquearia ou por estripar uma bela caça com sua faca, do que por pirralhos remelentos correndo atrás dela.

— Seu pai concordaria comigo. — Amon lança seu golpe mais cruel.

— Meu pai não está mais aqui para decidir o que posso fazer ou não.

— Gosto de você como uma filha, por isso que não poderei colocá-la em risco.

— Quem colocou todos nós em risco foi Hórus, com sua estupidez.

— Ele é impetuoso... Embora não concorde com seus métodos, ele tem razão. Os sensores não permitem que nos estabeleçamos em lugar nenhum. Teríamos que passar o resto da vida nos movendo novamente. Fugindo...

— Realmente, é uma excelente alternativa... entrar em guerra com um exército que pode nos dizimar...

Amon conclui que Ísis também tem razão, quando se aproximam da tenda, no centro da vila, ele encerra a conversa.

— Tenho que retornar ao conselho. Foi bom conversar com você.

Entrando no salão de taipas, os caducos do conselho interrompem imediatamente a acalorada discussão que travavam. Um dos anciãos vira-se para ele.

— Então Amon. Precisamos falar sobre seu filho.

— Hórus é um bom rapaz...

— Sim. Sabemos que sim. No entanto, seu comportamento é insustentável. Inicia uma guerra sem nos consultar... Insulta o conselho...

— Peço desculpas ao conselho por isso, entretanto, em relação à guerra... Não considero que ele tenha agido de forma errada.

— Impensada. A atitude de Hórus foi impensada. Não temos soldados aqui, não temos armas, não sabemos lutar.

— Armas podem ser providenciadas. Conseguimos produzir arcos, lanças...

— Pois, vamos colocar nas mãos de quem? De Ísis? De Bastet? De mulheres? Elas sabem caçar, mas será que conseguem atirar em uma pessoa? Duvido...

Amon sabe que aquela discussão não irá resolver nada em relação à batalha que se aproxima, mas sim, indicará o culpado pela a derrota e pelas baixas que eles acreditam que acontecerá.

— Quantos homens temos? — outro ancião pergunta.

— Em torno de mil e duzentos.

— Elas têm dez mil Evas. — afirma um terceiro.

Uma discussão começa entre os anciãos, todos falando ao mesmo tempo, muitos sugerem que todos se preparem para fugir, outros sugerem que os rapazes voltem a construir barcos. Amon, novamente interrompe:

— Um momento, por favor, senhores. — Aguarda o silêncio retornar — Barcos são inviáveis, todos sabemos que a água aqui não é nossa aliada. Todos se lembram do que ocorreu nas ocasiões em que embarcações tentaram sair daqui, não?

— Sim. — um ancião com um enorme bócio responde — barcos estão fora de questão. Não podemos sequer pescar com embarcações. Temos que nos manter próximos às margens. Imaginem se tentarmos fugir navegando?

— Obrigado. Como fugir não é uma opção, assim como, navegar. Minha sugestão é explorar outra abordagem.

Todo o conselho se silencia outra vez, interessado no que Amon tem a dizer.

— Iremos em um pequeno grupo até a colina para nos colocarmos em posição elevada. Certamente, Ammit enviará mais uma equipe de inspeção, apenas para confirmar se houve algo com suas Evas e com aquele caliginoso.

— Loucura! — O ancião, mais velho que todos, reclama — Vocês serão mortos!

— O quê faremos então? Sentamos e esperamos um exército de assassinas chegar?

O conselho decide debater mais sobre o assunto. Dispensam Amon. Agora Amon tem certeza que não vão permitir que ponha seu plano em prática, contudo, ao sair, dá de encontro com Ísis novamente.

— Olá de novo! Voltando da visita ao prisioneiro? Conseguiu alguma informação nova?

— Ele continua cego como um morcego... e... parece que eloquência não é um de seus dons.

— Também tive essa impressão...

Ísis percebe que a expressão do homem está pesada. A conversa com o conselho não deve ter sido muito agradável.

— Amon. Sobre o que falamos mais cedo... eu também te considero como um mentor, apesar de tudo, depois que meu pai se foi, você tem sido muito presente e preocupado em me apoiar.

Amon olha firmemente para Ísis, o sorriso retorna, imediatamente, ao seu rosto.

— Já que você voltou ao nosso assunto anterior... Me responda... Gostaria de levar seu arco para um passeio nas colinas?

A Torre de Selene (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora