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Ana está de frente ao portal. É o dia 2543 de sua vigília. Em breve, completará sete anos em sua jornada diária.

Todos os dias Ana toma seu café da manhã, prepara sua marmita, arruma rapidamente sua cama, seu quarto e sai.

Dirige por alguns quilômetros em seu carro elétrico, estaciona, desliga o motor pega um cartaz e caminha até o portal.

De frente para o pórtico, a contenção transparente como um vidro, a impede de entrar. Seu acesso não está liberado.

Ana ergue o cartaz e coloca em frente ao peito. Com as mãos paralelas aos cotovelos, de forma que o cartaz possa ser lido com facilidade.

Repete esse processo há anos. Desde que o portal, diariamente, era tomado por gente de todo tipo. Muitos eram apenas curiosos que visitavam a majestosa instalação, outros, como ela, pedintes ou requisitantes. Ana preferia se enquadrar na categoria dos requisitantes, embora ela estivesse ali para fazer um pedido, um único pedido e nada mais...

As clones, dentro do domo, já não dão importância a Ana. Como uma estátua, um insignificante totem, um tijolo que está lá todos os dias e não há nada que importe menos as Evas que Ana.

Contudo, Ana segue firme, ela tem esperança. A única esperança que resta a Ana, reside dentro daquele domo. Mesmo que se tratasse de uma chance tênue, distante, como acertar, em uma única tentativa, um número em um jogo de roleta, era tudo que Ana tinha... tudo que restara... era aquilo ou nada.

Assim, todo dia, Ana estava lá. Não importa que chova sapos, que ocorra uma tempestade de baratas... Ana estará ali, esperando.

Eventualmente, alguma das clones passa e, sem querer, seu olhar passa pelo semblante de Ana, que imediatamente sorri e ergue um pouco mais o cartaz. Recebe um olhar de enfado em retorno. Por que ela não desiste logo?

Porque assim é Ana. Não haverá, jamais, alguém que a faça desistir de seu sonho. Ela tem passado fome, não trabalha a todo esse tempo, o irmão a ajuda, mas ele é velho... Muitos são velhos atualmente. De qualquer forma é o que a mantém viva, o pouco que irmão lhe dá... e a motivação que a faz ir até o domo diariamente.

Larissa olha pelo vidro de sua sala. Vê Ana ali novamente.

— Essa moça não desiste... admirável! — Larissa fala consigo mesma, em voz alta, mesmo havendo meia dúzia de Evas em seu entorno. — O que é mesmo que está escrito naquele cartaz? — pergunta a uma Eva aleatória.

A Eva interrompe, mecanicamente, sua repetitiva tarefa de engenharia e responde com precisão:

— O cartaz contém o seguinte texto "PRECISO ENGRAVIDAR, POR FAVOR, AJUDE!" — responde a Eva, sem nenhuma entonação na voz.

Larissa continua olhando para Ana. Confirma em seus pensamentos, agora mudos, "Que coisa admirável!"

O comunicador toca e Larissa, desperta de seus devaneios.

A Torre de Selene (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora