A Torre de Selene (concluído)

proto agonistes

Fred recebe um texto. O carcereiro informa que suas personagens estão destacados com marca-texto fluorescente. Atira pela grade da cela cinco calhamaços encadernados com espiral de plástico.

Fred colhe um dos cadernos do chão, folheia e vê inúmeras linhas marcadas, olha a capa do encadernado, "A morte do caixeiro viajante", pega outro, "Sonhos de uma noite de verão". Os três seguintes são: "Antígona", "Fences" e "A importância de Ser Earnest".

— Fodeu! — Fred conclui

Os textos estão em português e depois, se repetem em inglês. Fred é tomado por desespero, não tem ideia de como vai decorar aquilo tudo. De qualquer forma está lá trancado naquela cela. Pior não pode ficar...

(...)

Uma semana depois, o carcereiro passa em frente à cela, deixa a comida para Fred, que larga um dos textos de lado, pega o prato e é informado que o primeiro teste será em poucos dias, o texto escolhido é, justamente, o que lê naquele momento.

(...)

Fred sobe ao palco, a plateia na escuridão. Consegue perceber que a casa está cheia e ele é um dos últimos a se apresentar. Gostaria de saber ao certo quantos concorrentes enfrenta, mas, sequer conseguiu ver o último candidato, que cruzou com ele enquanto estava na coxia.

Os atores profissionais, não presidiários, que contracenarão com Fred, entram e o espetáculo se inicia.

(...)

Fred já está há um mês realizando os testes e, admiravelmente, sente que está se saindo muito bem. Hoje encenou a derradeira apresentação e, agora em sua cela, aguarda o resultado.

É levado, novamente, ao gabinete do General. O deixam sozinho na sala. Fred mal consegue conter a ansiedade. Sente que, finalmente, seu talento está sendo direcionado para algo produtivo, mesmo que isso tudo dê em nada, vai investir em uma carreira de ator. Descobriu uma grande fonte de prazer em atuar. O hedonismo toma conta de seu ser.

O General entra com um assistente que fica parado à porta, assistindo. Fred já tinha esquecido como aquela augusta figura era, ao mesmo tempo, assustadora e esdrúxula. Urgentemente é bombardeado pela metralhadora verborrágica do militar.

— Senhor Frederick. Estamos impressionados... fascinados! O senhor é um talento nato! Não tivemos dificuldade alguma nesta escolha. Foi uma decisão unânime. UNÂNIME! Todo o Estado Maior está de acordo que o Senhor é nosso homem. Uma missão muito importante. MUITO IMPORTANTE, o aguarda. A juventude está descontrolada, essa história de não ter mais criança... os jovens estão loucos! Vivendo como se não houvesse amanhã. Sem crianças, até onde sei, não haverá crianças, mas amanhã sim! Teremos amanhã e depois de amanhã. Que história é essa? Querem causar balburdia? Não! Não enquanto houver homens com temor a Deus e amor à pátria. O senhor está acompanhando?

— Sim... senhor! — Fred aumenta a entonação para o "Senhor", quer conquistar mais respeitabilidade frente o General

— Os americanos, os chineses, os russos, estão todos alinhados. Todos de acordo. Temos que dar um jeito nisso. Arrumamos uma maneira de resolver. RELIGIÃO! Religião é o que vai aquietar esses arruaceiros. O senhor está preparado para ser o líder dessa nova seita? O senhor está? Com certeza está! Depois do que fez aqui. O senhor é excepcional! Os jovens o seguirão até o outro lado! Seguirão o senhor até os Campos Elísios! Com certeza! Seguirão sua liderança! O senhor entende? Perfeitamente...

Fred novamente estava completamente confuso com o palavrório do General, contudo, agora que a situação está mais favorável, decide questionar alguns pontos.

— Entendo perfeitamente, senhor. — ele faz uma breve pausa — O que exatamente devo fazer?

— O senhor irá atuar. Não de verdade... não em um palco... na vida real mesmo. O senhor entendeu? Agora entendeu. Não é verdade? Estou sendo claro? Não tem como ser mais claro que isso. Não é verdade?

— Sim, senhor. Claro como a água!