Capítulo 1: O Reencontro 🦋

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Mrs. Dalloway disse que compraria as flores ela mesma... e Fernando Ávila disse que compraria roupas novas para a festinha... foi o que Fernando murmurou para si próprio, com uma pitada de deboche e autocrítica no enunciado, enquanto dava meias voltas para um lado e para o outro no provador da loja do shopping, ainda decidindo se havia ou não gostado das combinações de roupas que escolhera.

Ninguém disse nada sobre o dress code esperado para o encontro, e ele sabia que a probabilidade mais alta—pelo menos para os homens—era que fossem aparecer de camisa gola polo, calça jeans e sapatênis, ou até mesmo de bermuda e chinelo. Ele jamais faria parte de nenhum desses dois grupos. Uma camiseta de bom tecido e estampa neutra, um jeans escuro e um par de sapatos respeitáveis seriam mais que suficientes para a ocasião, mas um zunido, um sussurro provocador dentro da cabeça de Fernando insistia que ele devia se apresentar em sua melhor forma, para garantir que não restassem dúvidas de quanto orgulho ele sentia da pessoa que se tornou, mesmo que nenhum dos que estariam lá para registrar essa impressão fosse relevante agora.

A dúvida era cruel. A camisa azul claro dobrada na altura do cotovelo parecia muito ordinária para um homem do calibre de Fernando, mas, por outro lado, blazer preto, camiseta básica escura para dentro da calça rasgada e um coturno, em um calor de trinta graus, era forçar a barra além de qualquer justificativa. Ao som de um bufo de impaciência e frustração, Fernando se fotografou nos dois looks e enviou as imagens para Rafaela, que iria com ele ao encontro mais tarde naquela noite, para saber o que ela preferia. "Não acredito que vc ta comprando roupa pra ir no encontro do terceirão, Fernando" foi a resposta, que chegou dentro de poucos segundos. Sem tempo para argumentar, nem disposição para provar que seus motivos banais eram perfeitamente razoáveis, Fernando insistiu na votação, e a amiga acabou dando a sugestão que resolveu o problema: a camisa azul e os sapatos da primeira foto com a calça escura e o cinto da segunda.

Aquela conversa de reencontro do colegial vinha se estendendo havia algum tempo. Denis foi o idealizador; aquele que acreditou que, nove anos depois, seria ótimo, em um sábado à noite, contra um calor leonino, rever pessoas que a memória já havia tratado de rabiscar de suas páginas sem piedade; quem achou que seria um ótimo exercício cerebral esmiuçar cada detalhe de um assunto para esticar o diálogo com aquele colega cujo nome alguém só se lembrava da primeira letra ou de uma combinação de sons parecidos, e emendá-lo em outro assunto rápido o bastante para a conversa não morrer e aquele silêncio de constrangimento pairar entre os envolvidos até um deles encontrar um motivo para se desculpar e se retirar da cena gentilmente. Nunca se soube de onde surgiu a ideia, mas ela estava prestes a sair do papel.

Esse encontro seria a síntese de tudo que Fernando menos suportava nas interações humanas. Ainda assim, por razões egoístas demais para gerar qualquer simpatia, ele iria. Porque ele sabia, passando os olhos pelos nomes das pessoas que manifestaram interesse em participar da confraternização no grupo do WhatsApp, que algumas delas jamais perderiam esse momento, e, dentre essas, havia duas ou três para quem Fernando também jamais perderia a chance de se exibir.

Se Lorenzo aparecesse, por exemplo, sua felicidade já estaria completa. Fernando não tinha qualquer contato com nenhum dos convidados para o encontro, mas vez ou outra uma notícia aleatória, ou uma fofoca inofensiva a respeito de alguém da época do colégio se ouvia com certa curiosidade, pelo prazer de saber se a vida de Fulano ou Ciclano andava melhor ou pior do que sua própria. O que diziam de Lorenzo era que ele tinha voltado para Taigo depois de uma tentativa frustrada de ganhar a vida com um empreendimento nos Estados Unidos: um aplicativo para celular; um editor de vídeos, que lhe rendeu algumas dezenas de milhares de dólares no início e o fez acreditar que tinha o mundo nas mãos, e depois caiu no esquecimento. Cheio de ambição e sonhos de um green card, sua última aventura no mundo business estadunidense foi como gerente de uma franquia de fast food—ou ao menos era o que diziam, ninguém nunca soube ao certo e Lorenzo jamais admitiria; seria plenamente capaz de alegar, com ar de realização e elevação moral, que estava só aperfeiçoando seu inglês para voltar a Taigo mais fluente.

De Volta ao Santa Luz (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora