De Volta ao Santa Luz (romance gay)

Capítulo 8: O Covil 🦋

Em casa, a primeira pessoa que desconfiou, ou estranhou, as atitudes de Fernando nos últimos dias foi Marta, sua mãe, que conhecia o filho a ponto de saber que ele não era de sair com frequência depois que voltava do colégio. A partir de algum momento, tornou-se habitual ouvir um "Vou pra casa do Lorenzo", nome este que ela também nunca tinha ouvido antes. "É um amigo meu da escola, você não conhece" era a resposta que encerrava o assunto sem levantar grandes suspeitas, afinal Marta sabia que tanto o filho quanto a filha tinham amigos e colegas que ela jamais conheceria.

Lorenzo não morava assim tão perto; Fernando ia para lá de bicicleta na maioria das vezes. Nunca ficavam sozinhos. Giovani determinou que a casa do amigo seria o melhor lugar para eles se encontrarem fora do colégio (a contragosto de Lorenzo), portanto estava lá até quando sua presença não era necessária, como na ocasião do trabalho de Biologia.

A casa era grande, maior que a de Fernando, o que o fez pensar em silêncio que tipo de trabalho os pais dele, que nunca estavam por perto antes das seis, tinham. Giovani certamente era visita frequente ali, pois não fazia rodeios para tirar os sapatos, abrir a geladeira, deitar-se no sofá... Lorenzo não tinha irmãos—o que explicava muita coisa, inclusive alguns aspectos da amizade com Giovani, que operava como irmão mais velho, em quem o mais novo se espelhava e admirava de um jeito peculiar e nada discreto.

— E os seus pais, fru? — Giovani perguntou um dia, deitado no sofá, pernas cruzadas, jogando para cima com uma mão e pegando com a outra uma bola de tênis que estava perdida por ali. "Fru" era abreviação de "frutinha", palavra que ele aprendeu com Lorenzo.

— O que é que tem?

— Você mora só com eles e sua irmã?

— É.

Fernando estava no computador terminando de organizar os próprios slides e preparando os de Lorenzo, que viriam a seguir, para a apresentação do trabalho de Biologia. Enquanto Giovani jogava sua bolinha deitado, o amigo permanecia concentrado na leitura do resumo que Fernando havia escrito e esquematizado para ele. A apresentação era dentro de dois dias e ele não estava nem um pouco preparado, pois deixou tudo na mão de Fernando e se esqueceu de que, inevitavelmente, teria que participar apresentando sua parte oralmente.

— O que você acha que eles vão fazer quando descobrirem que você chupa rola? — Giovani continuou, seu tom exatamente o mesmo; a bolinha subindo e descendo do ar para suas mãos.

A pergunta fez o estômago de Fernando revirar e arrancou uma risadinha de Lorenzo, que, apesar de concentrado, escutava o diálogo. Fernando não sabia o que responder, e o fato de Giovani ter feito a pergunta com um "quando" tornava a ideia duplamente aterrorizante, e fazia aquela sensação de perigo iminente barulhar dentro da cabeça outra vez.

— Eu não sei...

— Nunca parou pra pensar nisso? Devia...

— Por que cê tá falando isso, Giovani? Eu não tô fazendo tudo que você quer? — Fernando tirou os olhos do computador e os levou a Giovani em um misto de irritação e medo. Era exatamente aquela a reação que Giovani queria, só para confirmar que ele ainda tinha tudo sob controle.

— Só tô curioso, ué. Vai que.

— Como fala o nome desse cara aqui? — Lorenzo interrompeu, mais preocupado com sua apresentação do que com a conversa dos outros dois. — Carl... Woese...?

— Uôuz.

— Tem comida aí, Lô?

— Não sei, olha na geladeira.

E ele se levantou e foi. Giovani tinha a mania de abreviar o nome de todo mundo. Lô, Rô, Fru, tia Lu(cia, mãe de Lorenzo)... Era simultaneamente fofo e irritante, Fernando pensava, pois nunca dava para saber se era uma abreviação carinhosa ou arrogante. Ninguém o chamava de Gi. Para Deus e o mundo ele era Giovani Falco, mas os outros eram, para ele, sempre uma sílaba. Talvez essa fosse só mais uma forma de ele demonstrar, da forma como sabia, que estava sempre acima de tudo e de todos, que era maior até na quantidade de letras do nome. Era um detalhe pequeno, talvez bobo, mas que, para Fernando, revelava muito sobre quem Giovani era de verdade.