Capítulo 17: O Tempo

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A cirurgia ficou marcada para a primeira semana de julho. Apesar da ansiedade, Marta, Fernando e Laura não estavam preocupados. Valério, por outro lado, era uma pilha de nervos. Pouco adiantou explicar a ele em minúcias como aconteceria o procedimento, como seria o processo do pré-operatório à recuperação, que o tumor era benigno, que não havia nada com que se preocupar. No mesmo domingo em que almoçou com a família, ele voltou para a casa, primeiro sob a justificativa de estar mais facilmente acessível caso Marta precisasse de alguma coisa, segundo pelo completo desespero causado pela ideia de que poderia perder a esposa de um dia para o outro.

Valério teve sorte de todos o amarem apesar de seus defeitos e de terem sido extraordinariamente lenientes com suas últimas atitudes, em especial Fernando, que era o mais afetado. Não levou uma semana para que o garoto, já pegando no sono, fosse desperto de seu transe onírico pela presença do pai sentado à beira da cama, chorando copiosamente, implorando por perdão aos soluços, abraçando o garoto com uma agonia digna de dó. Fernando estava preparado para aquele momento; sabia que era questão de tempo, por isso recebeu o pai com a mesma cordialidade que havia lhe dispensado desde o começo. Tudo que Valério pediu, além de clemência, foi tempo, sob a promessa de que seria breve, e ajuda, para que pudesse aprender a lidar com a realidade do filho como ele merecia. Eles ainda tinham a vida toda pela frente; agora não era o momento para se preocupar com aquilo. O mais importante era que Marta operasse, se recuperasse e a vida de todos voltasse ao normal. As outras questões poderiam esperar.

No final das contas, tudo que Dra. Ester previu se concretizou com precisão cirúrgica, literalmente. A operação durou cerca de duas horas, Marta se recuperou da anestesia geral no mesmo dia, voltou para casa no dia seguinte pela tarde e em menos de três meses estava nova em folha, em casa, sob os cuidados dos filhos e do marido, que estava mesmo precisando de um baque para se colocar nos trilhos outra vez.

Um dia de cada vez, como tudo há de ser. Depois de todas essas tempestades, uma calmaria necessária encobriu a vida de Fernando e todos os seus. Marta se livrou do tumor, das dores e voltou às suas atividades cotidianas, Laura acabou o primeiro ano de faculdade, Valério cumpriu com o que prometeu e se esforçou notoriamente para reaprender o filho, Fernando concluiu o Ensino Médio e se despediu do Santa Luz em definitivo.

O baile de formatura foi a última vez em que viu muitos daqueles rostos tão familiares. A festa foi incrível, mas teve, inevitavelmente, um sabor agridoce. Era a partir dali que colocariam à prova todas aquelas declarações de amizade eterna, sempre trocadas na inocência pueril de quem ainda não sabe que nada na vida é para sempre. Foi na festa de formatura que Fernando e Lorenzo deram o último abraço; que Fernando beijou outra boca que não a de Giovani; que ele ficou bêbado pela primeira vez; que Marina anunciou que no ano seguinte provavelmente se mudaria de Taigo para estudar; que Rafaela deixou de lado por um instante sua armadura de garota durona e chorou feito criança ao ouvir Marina dizer isso... Alguns caminhos bifurcaram, outros continuaram seguindo juntos, outros surgiram e muitos outros mais continuariam surgindo.

Rafaela e Yuri foram os que permaneceram na vida de Fernando como nos tempos do colégio. A amiga foi a primeira a entrar na universidade e se formar engenheira civil. Seu gênio adolescente marrento se transformou, na vida adulta, em uma seriedade, uma segurança e uma firmeza de opiniões que a levaram longe na profissão. Não abaixava a cabeça para homem nem mulher nenhuma, nem enquanto estagiária, nem enquanto funcionária e muito menos como dona do próprio escritório. Para compensar, o que tinha de firmeza nos negócios, tinha de fragilidade nos relacionamentos. Foi a única do grupo que engatou um namoro atrás do outro, sendo o último, mais recente e mais duradouro com uma mulher, depois de anos namorando homens. Talvez tivesse sido esse o problema: namorar homens lhe tirava o controle, a dominância. Nem sempre era ela quem estava certa. Nem sempre era ela que vestia as calças na relação. Nem sempre era ela que esperava que o outro desse o braço a torcer. Isso só mudou quando Jéssica apareceu em sua vida e tornou tudo mais equilibrado.

De Volta ao Santa Luz (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora