Capítulo 9: O Abate

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Com a aproximação das Olimpíadas Interclasse e a intensificação dos treinos, Giovani e Lorenzo acabaram dando um tempo para Fernando, que, como não competiria em nada, teve mais tempo para cuidar da própria vida e ficar com os amigos, especialmente durante os intervalos e o almoço. Sua presença não foi solicitada à mesa deles por uns bons dias, e o contato mais frequente com os amigos fez a língua de Fernando coçar para falar sobre a situação recente na casa de Lorenzo. Mas, no final, ele achou melhor não comentar nada: determinou que a melhor forma de entender aquilo era não entendendo; deixar que o momento tivesse significado em si mesmo e não representasse mais do que essencialmente era: um corpo em contato com o outro. Rafaela poderia argumentar, cheia de antipatia, que o gesto era só mais uma forma de deboche; Marina, bem mais racional, poderia dizer que foi um lapso de espírito esportivo, mais do que comum entre os homens que praticam esporte; Yuri, sempre indeciso, diria que as duas visões faziam sentido. Fernando preferia acreditar que a soma das duas visões resultava em uma só ideia: que aquilo não significava nada.

E decerto não significou, mesmo, pois nunca foi trazido à tona novamente. Quando Giovani chamou sua atenção outra vez, foi para falar de outra coisa. Passada mais de uma semana sem interações expressivas, ele procurou Fernando no lugar de sempre: o corredor de armários. Já estava tão a par dos hábitos do refém que até sabia quando encontrá-lo sozinho.

— Ei, fru!

— Fala.

— Como assim "Fala"? Cadê meu "Bom dia!"? meu "Oooi, Giovani! Tudo bemmm?"?

Fernando estreitou os olhos e franziu a testa. Havia um bom humor raríssimo na fala de Giovani e no modo como ele enunciou e gesticulou aquelas palavras todas, palavras as quais ele jamais usara para cumprimentar o rival—isso quando cumprimentava.

— Bom dia, Giovani. — Fernando cooperou, com a resignação e a pouca paciência de costume. — O que eu posso fazer por você hoje?

— Como você pode ver, eu estou de muito bom humor. Pergunte por quê.

— Por quê, Giovani?

— Porque sabe quem veio falar comigo hoje mais cedo?

— Quem foi falar com você, Giovani?

— O Rodrigo! E sabe o que ele disse?

— O que ele disse?

— Que a gente precisa marcar de fazer alguma coisa, igual a gente fazia antes de você foder com a minha vida!

Apesar do sarcasmo e do tom ácido, era indisfarçável que Giovani estava mesmo feliz por Rodrigo ter ido conversar com ele e ter dito o que disse; e, apesar da acusação presente na fala, Fernando se sentiu feliz, de alguma forma; não por ter possivelmente reatado a amizade, mas por saber que foi responsável por um instante de alegria para alguém, mesmo que esse alguém fosse Giovani, que dificilmente sentiria o mesmo por ele algum dia.

— Que bom. Fico feliz por vocês.

— É claro: isso nem começa a consertar o estrago que você fez, mas já é alguma coisa. Continue sendo um bom garoto e quem sabe em breve eu te libere do seu castigo. — Disse isso e deu dois tapinhas no rosto de Fernando, que respirou fundo para não mandar o outro se dirigir a uma porção de lugares. — Mas não era só isso, não, eu tenho mais uma tarefa pra você — Giovani prosseguiu.

— Qual?

— O Lorenzo falou que você manja de inglês, é verdade?

— Mais ou menos... Eu sei o básico, algumas coisas que eu aprendo em música, ou assist--

— Você com certeza sabe mais que o Lorenzo. Ele me disse que vocês têm prova essa semana e ele não tá conseguindo estudar porque não sabe a matéria. Eu quero que você salve ele nessa. Eu falei pra ele te pedir ajuda, mas ele é teimoso, tem vergonha e não vai muito com a sua cara, então eu quero que você faça isso pra ele.

De Volta ao Santa Luz (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora