Oito horas se passaram como oito minutos. O despertar foi instantâneo e turbulento, como o de quem acabava de acordar de um pesadelo pavoroso. O coração batia acelerado, a cabeça latejava e parecia prestes a explodir. Fernando conseguia sentir seu sangue sendo lançado por suas veias em miniexplosões que vinham do seu peito ofegante. O suor brotava da testa e a colcha que o cobria até os ombros causava um calor insuportável.
Quando levantou a cabeça do travesseiro, seu primeiro instinto foi procurar o celular para ver as horas. Era manhã. A luz do dia entrava pela janela e pela porta, ambas entreabertas, de seu quarto. A boca estava seca e nela se sentia um gosto amargo; engolir exigiu algum esforço. Outra pontada forte na cabeça fez o rapaz levar a mão até a têmpora direita. Estava exausto, como se a noite de sono e aquele sonho tivessem sugado todas as suas energias em vez de repô-las. Olhando ao redor, Fernando examinou cada centímetro de seu quarto, e, vendo seus pôsteres colados na parede, seu computador de mesa desligado, sua mochila cuidadosamente jogada ao lado do guarda-roupas, perto do par de tênis de ir ao colégio, o burburinho do lado de fora do cômodo, sentiu que havia algo muito errado em seu despertar.
Tentou, espremendo os olhos, segurando a cabeça agora com as duas mãos, se lembrar do sonho do qual acabara de despertar; mas, quanto mais tentava se lembrar, mais ele se tornava distante e mais seus neurônios entravam em colapso, transformando a guerra de sinapses em pontadas e mais pontadas dentro do crânio. Lembrava-se apenas de estar com Rafaela dentro de um carro, conversando sobre a vida no colégio, e tinha a impressão de que antes estava com algumas pessoas do Santa Luz... mas não tinha certeza, pois, misturadas a esses recortes, vinham outras imagens desconexas, memórias que pareciam não ser dele, momentos que ele não se lembrava de ter vivido, flashes criados a partir de experiências que ele não conseguia sequer supor de onde vieram, como se pertencessem a um futuro que ainda o aguardava, mas que, ainda assim, eram reais e específicas demais para descartar como meros frutos da imaginação. Sentiu como se dez anos de memórias de um Fernando que não era ele tivessem sido injetados em sua mente em uma única dose.
Ainda com o corpo mole e os pensamentos disparando em frames ininterruptos, ele saiu da cama e foi para o banheiro tentando se lembrar se havia comido ou bebido algo pesado na noite anterior, algo que justificasse aquele sonho e aquela sensação de que nada em seu quarto era realmente seu.
As respostas não vinham. Quando chegou ao banheiro da suíte e se olhou no espelho, Fernando viu no reflexo um garoto magro, corado, de cabelos bem escuros, bagunçados mas bem cortados, olhos castanhos, e sentiu um mal-estar que não era físico; um pavor existencial. Este não sou eu!, algo em sua mente exclamou. Eu não tenho mais este cabelo, eu não tenho mais este corpo, eu não tenho mais este rosto liso sem barba...! Sentiu-se jogado de volta no tempo em pelo menos uma década. Será que eu estava sonhando que eu tinha uma vida adulta?... ou... será que estou sonhando, agora, que eu voltei para a minha adolescência?
Nada fazia muito sentido, e ambos os pensamentos eram igualmente esquisitos. Entrando no chuveiro para tomar o primeiro banho do dia, Fernando continuou tentando provar qualquer um dos dois pontos, sem sucesso. Tentou se lembrar de todos os eventos recentes que levaram àquele momento, àquele despertar, mas logo percebeu que não sabia nem que dia era hoje, ou a que hora ele havia ido dormir ontem, ou o que havia feito no dia anterior. Mal se lembrava de que havia um banheiro em seu quarto! Lembrava-se de eventos do colégio com detalhes, e sabia que havia apresentado um trabalho de Literatura com Marina recentemente. Ah! Sim! Estava de férias! Sabia! Era janeiro, estava de férias em casa, sim, e no mês seguinte começaria o segundo ano colegial... Ainda assim, havia passagens nebulosas em sua cabeça.
A lembrança de Marina trouxe à luz outra imagem apocalíptica. Não, não é possível, Fernando pensou com olhos arregalados outra vez, acompanhado de outra dose de adrenalina que fez o sangue arder. Por algum motivo, veio muito clara em seus olhos a ideia de que Rafaela e Marina eram namoradas. Isso não pode ser, a Rafa não é lésbica, e a Marina, embora tenha suas crises de identidade, não olha para ela desse jeito. Mas a ideia estava lá, lapidada em pedra em algum canto de seu cérebro, e, por mais abstrata e impossível que parecesse, Fernando sentiu que não havia nada de bom associado a ela.
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De Volta ao Santa Luz (romance gay)
Romance🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 NA CATEGORIA ROMANCE! 🥇 Se você pudesse voltar no tempo, você faria tudo de novo? Ao pronunciar em voz alta o desejo de voltar ao passado no exato momento em que um misterioso corpo celeste atravessava o céu, Fernando é...