Capítulo 16: As Guerras 🦋

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Doeu como uma punhalada no coração. E doeu ainda mais porque Fernando decidiu que a melhor coisa que poderia fazer era acabar com o mal pela raiz sem se dar qualquer chance de voltar atrás, se arrepender e tentar desfazer o que foi feito: bloqueou Giovani no MSN, no celular, excluiu do Facebook, evitou todos os locais pelos quais ele passava em um raio de cinquenta metros. O que facilitou sua quarentena foi Giovani aparentemente ter decidido fazer o mesmo. As únicas vezes em que Fernando o via era quando estava acompanhado de Lorenzo ou em alguma troca de aulas, quando os dois mutuamente faziam de conta que nunca se conheceram.

Lorenzo acabou ficando no meio do fogo cruzado, como sempre, e ele também sofreu as consequências colaterais do afastamento dos dois. Por mais que existisse uma simpatia sincera entre ele e Fernando, era Giovani quem os unia. Quando o elo se perdeu, a relação enfraqueceu naturalmente, sem ressentimentos, pois Lorenzo, acima de tudo, entendia que representava algo que machucava Fernando profundamente, e Giovani já estava impregnado demais no DNA do que existia entre eles; seria impossível manter uma amizade ignorando o fato de que era ele o motivo de tudo. O melhor para todos era manter uma distância saudável e deixar as feridas cicatrizarem por conta própria.

Enquanto isso acontecia, Fernando se preparava para a conversa que precisava ter com os pais. Não era que não estivesse pronto, mas nenhum momento parecia oportuno ou favorável às possíveis reverberações da ocasião: primeiro foi Laura com problemas com Rodrigo, algo raro, mas que ecoou no repertório da casa e das interações em família; depois Marta com dores de cabeça e mal-estar atípicos; depois Valério estressadíssimo com um caso grande e complexo que estava tomando sua energia e tempo e paciência. Todos os problemas ao redor soavam maiores e mais importantes do que a saída do armário de Fernando, que planejou executar a cena de maneira calculada, nos mais diversos contextos: na mesa do jantar, reunindo todos na sala para anunciar algo importante, por meio de uma carta... Tudo sempre elaborado.

Decerto não era para ser assim desde o início, pois a forma como a coisa se deu foi tudo, menos planejada; mera questão de circunstância, e pouco fiel à vontade original de Fernando.

Estando juntos no supermercado, andavam pelo corredor de bebidas ele e a mãe, ponderando e escolhendo sem pressa o que levariam para beber na noite de Natal. Marta não entendia de vinho; de braços cruzados, ela olhava para os rótulos dos cascos como se eles pudessem lhe revelar alguma coisa. Era Valério quem devia cuidar daquilo, mas ele andava ocupado demais. Enquanto lidava com esse dilema mundano, ela perguntou da filha para Fernando.

— Tô preocupada com a Laura. Desde a última vez que o Rodrigo foi lá em casa ela não tá bem... Você sabe de alguma coisa? Ela não quis me falar por que eles brigaram.

— Pra mim ela também não disse nada. Ele deve ter feito alguma coisa que deixou ela com ciúme, decerto.

— Será? A Laura não é de ter ciúme assim...

Fernando deu de ombros. Quando Marta por fim decidiu que vinho levar, quase que aleatoriamente, seguiram para os congelados: era hora de escolher o peru. O garoto estacionou o carrinho e foi com a mãe investigar as marcas, preços, promoções.

— E você, hein, Fê? — ela emendou, curiosa.

— O quê que tem?

— Não tem ninguém? Eu nunca ouço falar que você tá com alguém... Você nunca toca nesse assunto comigo...

5... 4... 3... 2... 1... O tempo da bomba-relógio se esgotou, e a explosão estava prestes a acontecer dentro de Fernando, que, assim que se lembrou de voltar a respirar, disse com clareza:

De Volta ao Santa Luz (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora