Fernando acordou com a claridade que entrava pela janela anunciando o início de um novo dia. Giovani estava à sua frente, de costas, dormindo pesado, coberto até os quadris, o braço de Fernando em volta de sua cintura. Uma sensação boa percorreu o corpo dele, que em um segundo se lembrou de onde estava e do que havia acontecido na noite anterior, e de que deveria se levantar mais cedo para passar em casa e pegar suas coisas antes de ir para o colégio. Aproveitando-se de que acordou sozinho, sem ajuda do despertador, e de que todos na casa dormiam, Fernando saiu da cama com todo cuidado para não acordar Giovani e foi procurar seu rumo.
Pegou a bicicleta na garagem e pedalou de volta para casa inteiro sorrisos. Nunca foi tão bom acordar sozinho meia hora antes de o despertador tocar. Pedalou pelas ruas vazias se sentindo o rei do mundo. Nada importava, só aquele calor gostoso que aquecia o coração na manhã fria. Em casa, foi recebido pela mãe, que preparava o café, e pelo pai, que se arrumava para deixar os filhos no colégio e ir para o trabalho. Laura ainda dormia. Fernando foi tomar seu banho, escovar os dentes e se juntar à família para comerem juntos à mesa.
— Agora você não sai da casa daqueles dois, né? — a irmã comentou de boca cheia, um quê de ciúme ou irritação pontuando sua fala.
— Aqueles dois quem? — a mãe perguntou.
— Giovani e Lorenzo. Não era lá que você tava?
— Era, no Giovani.
— E o que é que tem? — o pai quis saber.
— É que no início do ano os três eram os maiores rivais do colégio, agora eles são tipo melhores amigos. Você sai com eles mais do que o Rodrigo, que já era amigo deles antes de você chegar.
— Não-senhora; o Rodrigo é que se afastou deles porque vocês começaram a namorar — Fernando argumentou sem muita convicção. — Eu não tenho nada a ver com isso.
— É. Pode ser.
— Por que é sempre você que vai pra casa deles, Fê? — Marta perguntou. — Eu nunca vi nenhum desses amigos seus.
— É verdade — Valério concordou. — As amigas da Laura vivem aqui em casa, o Rodrigo também; você nunca traz ninguém. Faz tempo que a Rafaela e a Marina não vêm pra cá. Esse tal de Lorenzo, de Giovani, então, a gente só ouve falar.
A verdade verdadeira era que quem determinava onde iam ser os encontros era Giovani, que, até pouquíssimo tempo atrás, além de certo pseudocontrole sobre a vida social de Fernando, tinha um instrumento de chantagem que poderia se voltar contra ele em dois tempos; e, sendo os pais de Fernando elementos fundamentais da chantagem, quanto mais longe eles se mantivessem de Giovani e Lorenzo, melhor. Agora que isso estava no passado, no entanto, talvez não fosse tão má ideia apresentá-los.
— Não sei... É costume, eu acho. Qualquer dia vou chamar eles pra virem aqui, então.
Foi uma promessa vazia. Trazer Giovani para dentro da própria casa era algo simbólico demais para Fernando. Ele não sabia nem o que o esperava pelas próximas horas, quando encontrasse o garoto no colégio; talvez fosse melhor esperar para ver como as coisas se desenrolariam antes de dar um passo como aquele.
No Santa Luz, tudo continuava igual. De uma forma ou de outra, as coisas se assentaram com uma tranquilidade banal, quase impensável desde que Fernando se juntou a Giovani e Lorenzo; não como se ele tivesse se tornado o novo líder do bando, mas como se tivesse domesticado as feras e agora elas caminhassem entre os mortais em harmonia, a ponto de Lorenzo ter partido em defesa de Yuri quando algum retardatário achou que ainda era engraçado zombar dele por ele ser gay. Até Rafaela, opositora mais ferrenha de Giovani e Lorenzo, se rendeu e admitiu, pela primeira vez, que talvez eles tivessem se tornado pessoas menos piores.
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De Volta ao Santa Luz (romance gay)
Romance🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 NA CATEGORIA ROMANCE! 🥇 Se você pudesse voltar no tempo, você faria tudo de novo? Ao pronunciar em voz alta o desejo de voltar ao passado no exato momento em que um misterioso corpo celeste atravessava o céu, Fernando é...