Fragmenta: part 1

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                     Março de 1917

  O frio cortante fazia os ossos de Atsushi tremerem mais que seus braços e pernas. A garganta parecia queimar e o jovem fechava a porta do cômodo pequeno e desconfortável. Não poderia sair agora. Seria tolo se o tentasse. 

Por que estava com tanto frio? Talvez ele estivesse apenas apavorado.

Podia ouvir a respiração de Kyouka ficar mais alta, cada vez mais desordenada. Ao notar a mudança súbita no estado da amiga, que antes não passava de um ressonar, agora parecia não pertencer mais ao controle dela. Nakajima andou a passos largos até a garota de longos cabelos negros que estava deitada em uma cama improvisada com lençóis surrados e sujos. Colocou o próprio agasalho sobre ela e a pôs de lado para que pudesse tossir. Ela já não tinha forças nem para erguer o próprio corpo. 

Atsushi já havia presenciado alguns casos de febre tifóide no navio que levou ambos para a Inglaterra e outras vezes havia visto outros empregados, também estrangeiros, sofrerem com a enfermidade, porém, depois de alguns dias eles desapareceram. Ele sabia que todos haviam morrido e Kyouka não estava longe de partir. Entretanto, Nakajima não queria vê-la morrendo, seria doloroso demais, queria sair daquele lugar, mas não poderia levá-la consigo. Não tinha nem ao menos a certeza de que conseguiria sair sozinho da mansão. 

Aconchegou a garota em meio aos lençóis e deitou aos pés da cama e esperou. Esperou a única chance que teria na vida.

Ao que se acomodava, podia sentir a ardência dos ferimentos que Shibusawa lhe deferiu na manhã daquele mesmo dia. Havia saído escondido para ver a situação física de Kyouka, voltou para o quarto às escondidas levando água e um pouco de comida e ao ver que não poderia ficar mais, saiu às pressas. Porém, foi pego por Tatsuhiko enquanto corria para o Jardim onde trabalhava. 

Definitivamente ele não estava de bom humor naquela manhã, pensava ironicamente sentindo a ardência embaixo das ataduras aumentar. 

Naquela manhã, Shibusawa havia pego Nakajima perambulando pelos corredores sem permissão e sem dizer uma palavra Tatsuhiko arrastou o garoto até o escritório. Atsushi sabia o que poderia acontecer e temia por isso. Ele já havia sentido o peso da mão daquele homem. Em meio a protestos que mais pareciam súplicas ele tentava não entrar no escritório, que mais parecia um salão. A lareira estava acesa. 

Shibusawa o arrastava para perto da lareira com a força de uma mão e com a outra ele alcançou o ferro atiçador de brasas. Ele o jogou no chão.

— Achei que você fosse um bom empregado, eu lhe tirei das ruas esqueceu?

— Não precisa fazer isso...

Antes que pudesse concluir a frase, ele teve seu braço segurado com força.

— Você é um bom rapaz, mas ainda precisa aprender muito sobre a vida.

Os gritos de Atsushi ecoavam pelo recinto, ele não tinha força para revidar, mas com um movimento rápido ele conseguiu acertar o rosto de Tatsuhiko deixando uma marca de três arranhões no rosto pálido do homem. Mesmo com o ato hostil Shibusawa não o soltou, ele ficou mais irritado e com isso derrubando Nakajima no chão e prendendo suas pernas com os pés ao que prendia seus braços mantendo os pulsos finos com uma mão. Com a outra mão ele puxou o atiçador. 

 Pareceu demorar alguns segundos para a sanção de dor e queimação chegar ao cérebro de Atsushi. Era como se estivesse sendo impedido de respirar. A garganta doía pelo grito agonizante ao que a dor da queimadura seguia até os ossos. Tatsuhiko pressionava o atiçador com mais força contra a lateral do corpo do garoto. 
 
— Agradeça por ser um favorito — ele deitou a cabeça de Nakajima sobre o chão — Melhor não estar aqui quando eu voltar — ele se virou antes de sair — Você precisa ser melhor, eu não vou abrir mão de você.

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