Tempus

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                           Outubro de 1924

As mãos de Atsushi tremiam em um ritmo quase musical, como se estivessem no ápice de uma sinfonia.

O silêncio naquele ambiente era áspero e doloroso até mesmo para seus ouvidos. Ele sempre foi paciente, mas a ansiedade que sentia naquele momento lhe corroía até os ossos. Juntou as mãos para tentar amenizar o tremor. Qualquer um que passasse pelos camarotes mal iluminados pensaria que ele estava rezando e talvez estivessem certos.

O som da porta grande de madeira se abrindo fez com que ele se levantasse e encarasse Mary, que apenas fez sinal para que ele sentasse novamente.

- Não me diga que estava rezando? - indagou ela com um ar calmo - Não se preocupe, você não vai para a forca.

- Não eh... me refiro a estar rezando. Mas fui criado como católico desde que me lembro- ele respondeu espremendo seu nervosismo na voz. Deveria ter mencionado que não era religioso.

- Eu notei. Mas você sabe que não é sobre isso que eu quero falar, não é?

Ele ficou em silêncio e apertou os dedos sobre os joelhos. Com gentileza Mary pôs seus próprios dedos sobre os dele num gesto amigável.

- O que aconteceu no meu escritório. Sinto que você não me contou o suficiente, principalmente sobre Shibusawa e sua relação com ele.

Atsushi engoliu em seco.

- Não sei se estou confortável para falar...

- Certo - ela levantou - Pode pegar suas coisas. Eu lhe darei suas contas.

O sangue dele gelou e levantando-se em um pulo ele a segurou. Não. Não podia acabar assim

- Do que está falando? - indagou com um tom elevado de voz nada apropriado. Seus olhos estavam arregalados e a ideia de perder o emprego e um lugar para dormir lhe caiu sobre os ombros como uma bigorna. Não podia perder aquele emprego.

Mary o encarou e ele pode jurar ver uma soberba acinzentada nos olhos dela.

- Não posso mantê-lo aqui sem poder confiar em você, Nakajima. Não posso confiar em você se mantiver algo aparentemente tão importante em segredo. Sua reação no meu escritório foi a prova disso.

Ele engoliu em seco novamente, como se um limão estivesse preso na garganta. As pernas estavam fracas e ele estava nervoso como na noite em que saíra da mansão de Tatsuhiko. Respirou fundo e voltou a sentar-se.

- Talvez eu não tenha sido totalmente honesto quando me contratou.

- Eu sei. Mas, agora não é hora pra isso. Me diga o que diabos aconteceu no escritório.

Nakajima tomou ar.

- Shibusawa me tirou do Japão juntamente com outros estrangeiros durante a guerra. Ele nos ofereceu empregos como você já deve saber. Mas o fato é que ele não trabalhava de forma totalmente honesta.

Os olhos verdes de Mary se contraíram.

- Como assim? Ele não era rico?

- É óbvio que ele conseguiu todo o dinheiro que tem com heranças e com um trabalho à parte.

- Meios ilícitos.

Ele assentiu.

- Ele financiava fabricantes de bebidas e drogas desde antes da guerra. Eu não sabia na época mas alguns homens, membros de gangues, que aparecem nos jornais trabalharam ao lado dele - ele olhou para Mary que tinha uma expressão seria, completamente inexpressiva, porém atenta - Algumas vezes ele envolvia alguns empregados com o descerramento da mercadoria ilegal. Depois que houveram mais conflitos envolvendo empregados eu resolvi seguir o conselho de seu pai e procurar algo melhor em Londres.

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