XIV

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Não tinha muito contato com meu pai no dia a dia. Normalmente nossos contatos se resumiam a alguns emails ao longo da semana, poucas ligações durante o mês e talvez uma visita no natal. Eu não tinha mãe. Éramos só eu e meu pai, e até onde a lógica diz, ele deveria ser próximo por causa da minha mãe não estar mais viva.

Isso no mundo real.

Na minha vida, não era assim que acontecia. Na verdade, desde que minha mãe morrera, quando eu tinha 9 anos, ele não olhava muito para mim. Cresci pensando que ele pouco ligava para mim, e realmente pareceu. Mas um dia, há uns dois anos atrás, eu escutei pela fresta da porta, um monólogo dele com a foto da minha mãe.

Era noite, bem tarde, e eu tinha chegado de uma balada. A porta da biblioteca estava entreaberta, e eu o vi sentado numa poltrona, com o porta retrato da foto da minha mãe nas mãos. Ele falava com ela com tanto amor, dizendo o quanto me amava, que se mantinha afastado para me proteger do mundo. Dizia que era perigoso demais estar o tempo todo presente, que não queria que eu sofresse.

Eu só fui entender o pleno significado disso hoje.

Ele se mantinha afastado justamente para me proteger de homens como esse que estava na minha frente, que atirou no meu braço simplesmente porque me recusei a fazer o que ele queria. Eram homens assim que deveriam fazer crianças terem pesadelo à noite, e não monstros grudentos e cheios de dentes.

Os verdadeiros monstros eram os homens e nada do que me dissessem me faria crer no contrário.

- Que tipos de problema?

- Pai... - eu estava choramingando pela dor no braço. - Você tem que colocar 14% das suas ações pessoais a venda...

- Que brincadeira é essa Fred? - sua voz estava em algum lugar entre a impaciência e a descrença.

- E tem que transferir 500 milhões para essa conta. - eu disse o que estava escrito no papel, banco e conta. - Se você não fizer isso, eles vão me matar.

- Fred, eu não estou achando graça. - agora ele começava a ficar tenso.

- Ele atirou em mim pai, ele vai me matar.

Meu pai emudeceu, eu só podia ouvir sua respiração, acho que ouvi-o rangendo os dentes.

- Onde você está?

- Eles invadiram a escola.

- Fred...

O homem do terno tirou o telefone do meu ouvido e eu gritei chamando pelo meu pai. Então ele calmamente desligou o celular e guardou-o no bolso da calça.

- Vamos, temos um helicóptero nos esperando.

Ele andou até a porta e abriu-a, chamando por Matthew. O homem apareceu e me empurrou para fora do escritório. A minha cabeça rodava. Ali na academia, eu sabia onde era cada sala, cada canto, refúgio, ou passagem. Sabia que, por mais que houvessem homens armados, era um local seguro, só pela familiaridade. Mas agora que eu seria jogado num helicóptero, e levado para algum cativeiro, o que eu mais queria era fugir.

Pensei em correr, mas de que me adiantaria? Estava amarrado e ferido, e eu não saberia escapar da escola só com minhas habilidades. Talvez eu pudesse enrolar o homem um pouco mais.

- Ele vai vender as ações e você vai comprá-las não é? - eu falei. - Não vai adiantar. A polícia vai saber rastrear o comprador. Você não vai sair ileso.

- Inocência a sua pensar que eu posso ser preso. - ele parou de andar e ficou na minha frente. - Pessoas como eu não vão presas, pelo simples fato de que eu sou mais importante que a maioria.

Eu não tinha resposta pra isso, mas sentia que deveria distraí-lo, fazer o que fosse possível para continuar ali, na Academia.

- Meu pai não acreditou no sequestro.

O homem sorriu.

- Nada que uma foto não resolva.

- Eu não vou cooperar com você.

- Quem sabe então um vídeo? - ele tirou meu celular do bolso e começou a girá-lo.

- Eu posso atirar na sua perna agora, o que acha?

Eu estava tentando ser forte, mas meus olhos deve ter deixado escapar alguma coisa. O homem riu mais uma vez, tão cínico que me deu vontade de espancá-lo. Ele abriu a boca para responder, mas então o fim do corredor onde estávamos explodiu.

ExplosivaOnde histórias criam vida. Descubra agora