XVIII

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- Vamos. - Yelena ficou de pé. - Já devem saber onde estamos, precisamos ir.

Eu entendia o que ela queria dizer, mas não digo que seria fácil abandonar Alexei. Ele ainda era o meu amigo, por mais que estivesse inanimado. Eu não conseguia pensar muito em sua morte, não podia imaginar como seria agora que ele não estava mais ali.

- Vamos.

Yelena repetiu, com o maxilar trincado e os olhos vidrados. Parecia que segurava o choro, que se esforçava para manter a compostura. Talvez a assassina tenha um coração afinal, talvez ela sinta ter perdido um colega de trabalho, uma pessoa que, por algumas semanas, conviveu com ela. Estava tão anestesiado por tudo que tinha acontecido na últimas horas, que estava incapaz de sentir propriamente o luto.

Eu me levantei, apertei a mão dela na minha. Ela não me olhou nos olhos, o que me estimulou a deslizar os dedos levemente pelo seu braço, até que minha mão abarcou seu rosto. Foi então que ela olhou para mim. Seu rosto até poderia estar frio e controlado, mas seus olhos castanhos ferviam, povoados por ódio, culpa e lágrimas que não poderiam vazar.

- Não foi culpa sua. - sussurrei, urgente, sabendo que nosso tempo se esgotava e ela tinha que se centrar.

Ela não disse nada e segurou a mão em seu rosto, tirando-a dali. Em silêncio, começou a subir as escadas comigo.

Nós voltamos ao segundo andar, de onde nunca deveríamos ter saído. Ela me levou pelos corredores, a arma engatilhada nas mãos. Eu estava com medo dela, andando daquele jeito, sem olhar antes de virar as esquinas, como se não temesse mais a morte, ou o que aconteceria comigo. Ou ela sabia de algo que eu não sabia, ou ela tinha surtado.

Quando chegamos perto de onde ela explodiu tudo, ela parou e virou para mim.

- Estamos sozinhos nesse prédio, já percebeu? - falou. - Eu posso gritar aqui, que nada vai mudar.

- Como você sabe?

- Se eles quisessem nos prender, já teriam feito isso, e tem bombas. - ela respirou fundo. - É uma brincadeira de gato e rato, entende? Eles devem ter lacrado todas as saídas, vamos ficar aqui dentro até o socorro chegar.

- Você acha que eles querem só nos manter aqui?

- Ou tem uma bomba maior que vai explodir tudo de vez.

Eu não conseguia acreditar em sua frieza, não podia imaginar nada mais

irritante do que uma Yelena pragmática naquele momento.

- Chega. - eu praticamente rosnei. - Já chega.

Ela arregalou as sobrancelhas em descrença. Eu apenas a encarei, e assim ficamos, em silêncio, nos fitando por um bom tempo. Era uma guerra de egos, e era uma luta injusta. Eu estava começando a sentir a morte do meu amigo, tinha sido baleado, e toda a escola estava em perigo porque um ex-senador cheio da grana quer ter o conglomerado da minha família para si. Ela estava sobre muito stress, tinha vidas em suas costas, e agora não tinha mais um parceiro bom de tiro. Estávamos cansados, feridos e por tudo que fosse sagrado, eu só queria chorar.

Mas mesmo assim, eu não deixaria que ela nos auto destruísse.

- Vamos sair daqui, e um dia ainda vamos rir disso, me ouviu?

- Cale a boca Fred, você não sabe o que diz.

Eu acabei de ver meu amigo morrer, não vou deixar que você morra também, estamos entendidos? - eu falei, duro, a voz mais rouca, impositiva.

Yelena não me respondeu, apenas me olhou com descrença. Ela fechou os olhos, balançou a cabeça de um lado para o outro e passou a língua nos lábios, como se seu cérebro estivesse fritando e ela quisesse colocá-lo em foco.

- Vamos para o telhado.

Começamos a andar, subindo a discreta escada que levava ao telhado. Ela examinou muito bem a porta antes de abri-la, e foi com alívio que pudemos sair.

Meu dia estivera tão complicado, que eu havia me esquecido que chovia. O chão do telhado tinha enormes poças de água limpa e assim que as gotas me tocaram, me senti grato. Não havia nada mais delicioso que a chuva, e ensanguentado, dolorido e magoado como estava, eu não poderia pedir mais. Estiquei a mão e deixei que a chuva brincasse em meus dedos. Coloquei a arma nas minhas costas, presa no cós da calça e deixei a camisa cair por cima. Estiquei, agora, as duas mãos para a chuva.

Enquanto eu estava ali, distraído, Yelena já tinha saído, observando o heliponto e o horizonte, procurando por intrusos. Estávamos sozinhos. Ela deixou o braço cair pesado na lateral de seu corpo. Eu fui até o seu lado, segurando a vontade de abraçá-la.

- Hoffmann tinha um helicóptero... - murmurou. - Já deve ter ido embora faz tempo.

- Ele não ficaria enquanto você estivesse explodindo as coisas.

Um sorriso bem leve apareceu em seu lábios e logo sumiu. Ela andou lentamente até a beirada, para ter uma visão melhor do ginásio. Até eu pude identificar a presença dos homens armados.

- Não estamos completamente sozinhos.

Uma risada seca soou atrás de nós. Meu corpo se retesou.

- Não, vocês não estão.

Nos viramos e nos deparamos com Matthew, com armas apontadas para as nossas cabeças.

Eu SINCERAMENTE odiava aquele cara.

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