ÚNICO REFÚGIO ( DEGUSTAÇÃO)

Capítulo 8/ part - 2

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Evitei olhar para o Miguel durante todo o almoço, estou confusa e assustada com o sentimento que ele está despertando em mim, não sei o que é isso, mas não gosto de me sentir assim. Neide me convenceu a passar à tarde com ela e James me liberou, avisando que a esposa precisava conversar com uma pessoa jovem e não as senhoras "assanhadas" do grupo de leitura que ela participa, ainda comentou sobre um filme que indicaram para ela, parece que é 365dni.

Estar com Neide é algo maravilhoso, ela é uma mulher de riso fácil, alegre, mas que me passa confiança, na verdade, todos dessa família me faz sentir segura.

— Eu não sei já ouviu minha história de amor com James — ela disse quando sentamos no sofá, esperando os biscoitos de chocolate assar e eu fiz que não com a cabeça. — A família dele é muito conhecida na região, imigrantes, cheios de grana vieram para o Brasil durante a segunda guerra, são donos de muitas fazendas aqui da região e em uma delas os conheci, quando fui trabalhar de empregada na casa deles. — Respirou fundo. — Era uma jovenzinha ingênua que se apaixonou à primeira vista pelo filho do patrão, ele era tão lindo, tão educado, atencioso comigo, cuidadoso sabe, como nunca havia visto um homem ser, ele já era um homem formado, estava se preparando para ser xerife do vilarejo, aqui ainda nem era considerada uma cidade na época, foi durante todo aquele alvoroço da marcha para oeste e muitas pessoas iam em busca de ouro. Não sei se você já sentiu preconceito por sua cor de pele, eu espero que não, eram tempos difíceis há tantas décadas, você deve imaginar como uma família de europeus, brancos e ricos se sentiam superiores a nós, meros empregados. E, do nada, o filho mais velho assumiu a negra empregada, James me amou desde o primeiro momento, assim como eu a ele, mas não foi nada fácil. Ele foi deserdado, nós ficamos sem ter onde morar logo após o casamento e minha família nos acolheu, mas era tudo muito novo para ele, nunca tinha trabalhado na roça, nunca tinha trabalhado de dia para comer a noite, fora o desprezo que as pessoas a nossa volta sentiam por nós, é como se fosse algo muito errado um branco casar com uma negra. Nós fomos vistas por muito tempo como apenas para diversão, apenas para esquentar a cama para a esposa — ela fez uma pausa antes de continuar e eu segurei minhas lágrimas.

— Nós sofremos horrores, mas demos a volta por cima, a família dele nunca me aceitou, mas recebeu Miguel de braços abertos, por ele se parecer com eles, nós enfrentamos o mundo, mas ficamos juntos, eu dei aula muito tempo para complementar a renda de casa e, quando descobrimos a gravidez do Miguel, após tantos anos de casamento, James conseguiu a tão sonhada vaga de xerife e nossa vida começou a melhorar com a chegada do nosso amado filho — seus olhos se iluminaram a falar do Miguel. — Eu só estou te contando isso, porque eu não consigo imaginar o que você já enfrentou nessa vida e nem espero que me conte se não quiser, só quero te mostrar que tudo pode parecer difícil agora, mas vai passar, vai melhorar e você vai encontrar um porto seguro para sua vida, assim como encontrei James. Você vai encontrar alguém para enfrentar todos os problemas segurando sua mão, te protegendo, te amando, vai casar e vai ser muito feliz e essas feridas que carrega em sua alma, ficará no passado.

— Ele me batia — sussurrei já sem forças, eu não consegui controlar as lágrimas que desciam pelo meu rosto com as palavras da Neide. — me torturou por anos, de formas inimagináveis. Me proibiu de ver minha família, família essa que me vendeu para esse monstro, ele matou meu filho ainda dentro da minha barriga e teria me matado se eu não tivesse fugido antes, mas eu continuo presa ao passado, presa ao medo, as marcas que ele me causou.

— Quem fez isso com você, querida? — Ela segurou em minha mão procurando uma forma de me confortar.

— O meu marido, ele me bateu, me marcou, cortou, me queimou, me afogou e me sufocou diversas vezes — as palavras saltaram da minha boca da mesma forma que as lágrimas saiam dos meus olhos. — A pessoa que deveria me proteger, me quebrou, me destruiu, eu estou despedaçada, Neide, eu estou morta por dentro, ele me matou em vida! — Senti os braços dela me apertarem em um abraço forte e sincero enquanto as lágrimas insistiam em continuar caindo, meu peito doía com as lembranças, mas também senti alívio com minha confissão, pela primeira vez eu havia falado em voz alta para alguém, o que aconteceu comigo.