Capítulo 19

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V estava acordado quando eu acordei. Ele estava parcialmente sentado e eu via seu rosto de perfil. Os cílios retos brilhavam sob o sol que entrava pela janela. Sua bela face era palco de expressões vazias, quase como uma estátua de cera. Meus dedos roçaram, com hesitação, o seu peito nu, encantado com sua perfeição. Uma casca tão sublime, habitada por uma alma cheia de sombras. Os olhos castanhos voltaram-se para mim, como se me olhasse de soslaio, mas sua expressão em nada se alterou.

— Em quê está pensando? — Perguntei. Metade do meu rosto ainda estava esmagada no travesseiro. V voltou os olhos para frente novamente.

— Nada de importante. — Era como se estivesse em transe. Eu me sentei. O cenho franzido.

— Você decididamente não está normal. — Sussurrei. Meu coração já palpitava, mesmo sem fazer ideia do porquê V estar daquele jeito. De repente, ele sorriu de canto.

— Eu só estava pensando o quanto esse quadro é hilário. — Ele acenou com a cabeça, sinalizando o quadro que ficava pendurado na frente da nossa cama. Nele, uma mulher decepava a cabeça de um homem com uma faca, enquanto uma velha observava.

— Pra mim é só um quadro estranho, como o que você insistiu que eu colocasse no meu escritório. — "O pesadelo" estava lá, no prédio da polícia, servindo-me de decoração. Ambos eram renascentistas, visto que V tinha alguma espécie de fascinação pela arte desse período. Porém, eu não os definiria exatamente como "hilários" e O Pesadelo me perturbava.

— Ele é hilário porque é estranho. Primeiro, como é possível a mulher decepar uma cabeça com tanta facilidade com uma faca dessas? Se o homem quisesse, poderia simplesmente tirar a faca da mão da mulher, mesmo que ele morresse depois por hemorragia, não acha? — Um sorriso brincou em seus lábios, algo que ajudou a fortalecer a insanidade daquela conversa.

— Acho que arte não precisa ter alguma lógica. — Sussurrei e V me lançou um olhar pensativo, com admiração, ou talvez sarcasmo, nunca podia distinguir os dois.

— Boa resposta. — E ele voltou aos seus devaneios silenciosos.

Desde o dia anterior, quando V entregou-se a mim inesperadamente, não havia me dirigido uma única pergunta sobre a experiência de ter matado, apesar de ter me preparado por meses. Aquele desinteresse, seus assuntos sem importância, conversas amenas… Tudo parecia-me muito incomum, como se V quisesse que eu inferisse algo sobre aquilo, ou, talvez, esperava que eu iniciasse o assunto. Adotando a segunda opção, decidi começar pela pergunta que mais seria do meu interesse, aquela que mais assombrava minha mente:

— Ontem a noite o Namjoon perguntou sobre onde eu estava?

— Sim. — Respondeu, simplista. Eu sabia que V estava se divertindo com aquilo.

— E o que você respondeu? Obviamente não foi com a verdade.

— Disse que você estava fazendo aulas de tango e dei detalhes de onde eram as aulas, inclusive. Ele mandou que verificassem, é claro. — Ele disse e um nó se formou em minha garganta imediatamente.

— E ele não me encontrou lá. Como poderia?

— É aí que você se engana, bobinho. Você estava lá. — Um sorriso zombeteiro, um olhar cheio de expectativas. Meus olhos iam e vinham de um olho de V para o outro, confuso. Ele tinha seus truques, eu sabia disso. De repente, uma ideia me veio à cabeça.

— Eu não estava lá, Namjoon só precisava acreditar que eu estivesse…

— Exato. Contratei uma pessoa muito parecida com você para estar na aula de tango na noite passada. Mesmo se o policial enviado de Namjoon te conhecesse, garanto que não poderia distinguir. O homem se parecia tanto com você, que chegou a me despertar alguns… desejos. — Seus dentes perfeitos morderam o lábio inferior, provocante, mas com um ar brincalhão. Eu apenas revirei os olhos. Era óbvio que V faria algo assim, da forma como sempre pensava em detalhes e em saídas inesperadas, como a máscara que tinha acesso às câmeras.

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