Apanhei o meu cabelo castanho escuro de modo a afasta-lo da cara e vesti-me. Os meus olhos estava com um azul profundo. Contrastava com a minha pele clara e era a primeira coisa que reparava quando me aproximava do espelho.
Decidi ir até casa da Alexa. O sábado dava-me liberdade de fazer o que apetecesse. No dia anterior não tinha pegado mais no telemóvel e só tinha reparado nas 3 chamadas perdidas de Alexa já era madrugada. Devia-lhe explicações por a ter deixado plantada e nem ter mandado um sms a dizer que não tinha acontecido mais nada. Como todas as minhas aulas eram dadas por professores privados não tinha oportunidade de fazer muitos amigos. Só depois de ter conhecido a minha amiga é que me tinha apercebido que não tinha ninguém enquanto ela conhecia grande parte da escola.
Não é que eu quisesse ir para uma sala apinhada de pessoas onde respirar era um sacrificio. Ter aulas em casa era uma opção minha. Não chamava tanto as atrações porque não percisava de atravessar a cidade para ir para a escola em tinha de conhecer tanta gente.
Desbloquei o telemóvel e mandei uma mensagem à Alexa a avisar que ia sair de casa para a encontrar. Sai do quarto e senti automáticamente o cheiro de panquecas acabadas de fazer a vir da cozinha. Desci as escadas quase como enfeitiçada. Parei uns segundos para cheirar aquele aroma que me enchia o apetite. Era bom saber que o mundo não tinha mudado desde a noite anterior. Como eu ia sentir falta de tudo aquilo.
A minha mãe estava debruçada sobre o fogão, a acabar a pilha de panquecas que já se encontrava numa traveça no meio da mesa. O seu cabelo loiro estava apanhado numa trança. Tinha umas calças de ganga e uma camisola de lã creme. O meu pai estava sentado à mesa a meio de uma panqueca e já a ler o fim do jornal.
-Bom dia. -Disse para ninguém em especial.
O meu pai levantou os olhos do artigo.
-Bom dia, querida. - Saudou-me.
A minha mãe virou a panqueca já um bocado escura e brindou-me com um sorriso.
-Dormiste bem? - perguntou-me.
-Normal. - Menti rezando para que as minhas olheiras não se notassem o suficiente para me desmentirem. - Vais fazer alguma coisa?
-Nada. Vou ficar por aqui a pôr a leitura em dia. - Respondeu calmamente- Porquê? Vais fazer alguma coisa?
-Vou a casa da Alexa. Não fui ontem. Estive a conversar com um rapaz no café aqui ao pé.
-Fizeste um amigo? - Peguntou-me o meu pai incredulo.
O tom ofendeu-me.
-Até parece que ando para ai sozinha. Bem, talvez às vezes. -Admiti.
-É só porque é tão extrovertida e ao mesmo tempo tão reservada. Não te entendo. Deve ser coisa de adolescente.
-Sim, mãe. -Concordei ironicamente- Toda a minha personalidade é só uma fase.
Não consegui evitar um revivar de olhos. Aquela era a pior parte de ter de me isolar do mundo. Não podia ter muitos amigos e os meus pais eram a minha presença constante que não faziam ideia de como funcionava a sua filha adolescente. Quando era pequena a solidão incomodava-me, mas depressa me apercebi que era melhor que a alternativa.
-Ontem no trabalho o Bill disse-me que a Sarah se tinha atrasado na entrega do relatório. Acreditam nisto? Depois de lhe ter dito que era essencial ter-mos tudo aquilo dentros dos prazos. Lembras-te da Sarah, certo? Aquela que falou contigo na festa de Natal.
Acenei embora não fazendo ideia de quem ela era.
-Bem, ela custou-nos uma fortuna. Senão for despedida, posso atirar pedras às janelas quem ninguém me despede.
-Não fales assim, Edwin! - exclamou a minha mãe.
-Tenho de ir andando. - Disse comendo metade da panqueca com uma dentada e levato o resto na mão.
-Vens almoçar a casa?
-Provavelmente. - Respondi dando-lhe um beijo na face.
-Leva o cachecol - Ouvi-a gritar quando me dirigi à porta.
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Cheguei a casa de Alexa perto das 10:30. Foi a mãe dela que me abriu a porta. Subi as escadas em direção ao seu quarto e quando abri a porta ela estava ainda enrolada no meio dos lençois. Tirei o casaco que pousei em cima da cadeira em frente à secretária.
-Alexa- Chamei-a enquanto a abanava. - Alexa!
-Diz.
-Abre os olhos- Pedi.
-Não. É sábado e é cedo.
Era comica a maneira como Alexa agia como uma criança quando estava com sono.
-Falei com o rapaz que me andava a vigiar.
Os seus olhos castanhos abriram em surpresa.
-Porquê? Ele podia ser um psicopata!- Exclamou
-Tu é que falaste nisso primeiro! E não, acho eu. É amigo de um amigo meu.
-Não sabia que tinhas amigos que eu não conheço. - Declarou sem qualquer ponta de malicia. Era um facto.
-Este é um amigo antigo. Antes de eu viver cá. Entendes?
Acenou-me a cabeça com uma expressão compreensiva. Suspirou e sentou-se na cama.
-E agora? -Perguntou.
-Agora vou ter de me ir embora por uns tempos. Vou com ele.- Menti
O quarto de Alexa estava quente e era ali onde passava grande parte do tempo quando não estava em casa. Estava coberto com fotos de sitios de onde queria ir, de onde tinha ido, de amigos, familia, namorados, coisas de que gostava. Dizia sempre que deviamos de adormecer e acordar sempre com a recordação de tudo aquilo que era importante. Quase não se via a tinta branca que cobria a parde. Às vezes era sufocante e arrebatador todas aquelas fotografias. Por vezes, até exaustivo. Mas Alexa parecia nunca se cansar. Tal como a sua vida, todo o quarto estava arrumado. A secretária estava limpa e com os papeis organizados em molhos identificados.
-Estou a contar-te isto porque preciso que mintas. -Informei-a. - Não podia esconder-te isto sabendo que os meus pais vão quase morrer quando souberem que... tive de me ausentar. Preciso que tomes conta deles.
-E como sabes que não lhes vou contar nada agora mesmo? - perguntou-me com tom desafiador.
-Porque primeiro, tu sabes o quanto isto é importante para mim, e segundo, sabes que isso não me ia impedir de ir.
Ouvi-a praguejar em voz baixa.
-Tens razão. -admitiu contrariada- Quando é que te vais embora?
-Amanhã.- Respondi sem qualquer hesitação.
-E quando é que voltas?
-Se te desse uma data ia ser inventada. Vais ajudar-me? -perguntei passado um bocado.
Suspirou.
-Tenho outra opção?

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Escondida
FantasíaCassie passou anos a tentar encobrir o seu passado. E conseguiu. Mas só podemos fugir da nossa história durante uns tempos até que ela nos apanhe e arraste tudo com ela. Sempre pensou que poderia ser rápida o suficiente para controlar os dados, mas...